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  • Quem foi Edmond Fortier

    Viagem de Fortier em 1906

    Edmond Fortier, francês, nascido em Plaine, nos Vosges em 1862, migrou no final do século XIX para a África do Oeste. Viveu em Dakar no início do século XX, e lá morreu em 1928. Era casado com Odile Hilsenberger e tiveram três filhas: Angèle, Alice Marie e Andrée Gabrielle.1  Não se sabe da existência de outros descendentes do casal.

    Homem de seu tempo, sua obra não está (e não pode ser) dissociada do que o colonialismo europeu representou na história da região.  

    No início da carreira ele trabalhava como fotografo profissional para a elite senegalesa.  Essas pessoas seguiam a moda mundial de se fazer retratar e apresentar-se socialmente por meio de cartes de visite com suas fotografias.  

    A primeira notícia da presença de Edmond Fortier em Saint-Louis do Senegal consta de um anúncio na edição de 1. de dezembro de 1898 do Journal Officiel que informava a abertura de novo Atelier de pose naquela cidade, no qual era sócio de Emile Noal.2 Este último, fotógrafo já estabelecido em Dakar pelo menos desde abril de 1894, tentava com a iniciativa alcançar o mercado da então capital, Saint Louis. 

    Noal era na época o correspondente no Senegal do periódico Le Monde Illustré, editado em Paris e, junto com Louis Hostalier, que colaborava para o também parisiense semanário À Travers le Monde, formava a dupla de fotógrafos em maior atividade na colônia. Que Fortier tenha se tornado sócio de Noal indica que já possuía uma expertise no ramo, adquirida provavelmente fora do Senegal. O Atelier de pose, estabelecido em Saint-Louis, tornava-se por vezes itinerante pois contava com cenários que podiam ser transportados para retratar pessoas em cenas externas. A essas telas, que deveriam medir cerca de 2 X 2 metros e simulavam uma paisagem tropical e um interior de residência europeia, podiam ser acrescentados um tapete (provavelmente europeu) e uma esteira para compor o cenário.

    Fortier e sua câmera

    A carte cabinet (um pouco maior do que uma carte de visite) acima retrata o Sr. Berteloot e sua esposa, nascida Anne Dumont, membros da elite mestiça e intelectualizada do Senegal, e foi doada ao Sr. Caminade. O verso dela, do tempo em que Fortier era sócio de Émile Noal, mostra um desenho do relevo África do Oeste e seus principiais acidentes geográficos. Na costa, as 6 cidades onde havia “sucursais” estão assinaladas. A maioria dos fotógrafos dessa época eram itinerantes pois no Senegal o público não era grande e havia concorrência. A chegada de qualquer um deles a uma cidade era anunciada nos jornais. Além de retratar a elite local, senegalesa e europeia, os fotógrafos ofereciam aos clientes uma Collection Complete de Types et Vues de la Côte, que muitos colecionavam em álbuns. Os Types (os “tipos”) eram pessoas de determinado grupo social consideradas “exóticas” e que por isso eram “documentadas”.

    Além dessas especialidades, Noal e Fortier trabalhavam como repórteres fotográficos. Um exemplo disso foi o registro da passagem de Samory Touré por Saint-Louis do Senegal a caminho do exílio no Gabão. Samory resistira por 15 anos à penetração francesa na África Ocidental apesar da superioridade bélica dos europeus. As imagens da chegada do Almamy em Saint-Louis, sua reclusão com a família e seu famoso retrato apareceram com destaque na imprensa francesa. Essas fotografias foram reproduzidas posteriormente por Fortier no formato cartão postal.

    Chegada de Samory em Saint-Louis
    Samory e suas mulheres no cativeiro
    Samory, capturado em 1898

    Em 1900 Fortier inicia sua carreira de editor de cartões-postais. Esse meio de comunicação, que na época tinha grande circulação, se espalhou por todos os países do mundo. O avanço das técnicas de reprodução, como a fototipia; a expansão da escolarização nos países da Europa e nos Estados Unidos, que tornou a escrita acessível a grande parte da população e, finalmente, a criação das redes ferroviárias e marítimas e da União Postal Universal são as condições que permitiram a emergência e a propagação em ritmo exponencial do fenômeno cartão postal pelo mundo no fim do século XIX e início do XX.

    A obra de Fortier é imensa, totalizando cerca de 4.500 fotografias originais. Não temos ainda como precisar as tiragens, ou seja, quantos exemplares de cada um dos postais de cada série foram impressos, mas acreditamos que pelo menos 1 milhão de cartões editados por Fortier entraram em circulação nas primeiras décadas do século XX. Dos que foram postados, a maioria foi enviada para a França, mas alguns chegaram ao Brasil, à Nova Caledônia e a muitos outros países nos quatro cantos do mundo. O conjunto desses clichês originais contém informações visuais importantes sobre as então colônias francesas do Senegal, Guiné, Sudão (Mali), Costa do Marfim e Dahomey (Benin) e sobre Lagos, na Nigéria. As imagens das edições do fotógrafo faziam parte de séries mas eram espalhadas às unidades, já que isso é parte da própria natureza do veículo cartão-postal.

    Para vender seu trabalho Fortier tornou-se também um pequeno comerciante em Dakar. Sua pequena loja ficava nas imediações do mercado e do porto. Ali vendia tabaco, artigos de papelaria, itens exóticos do artesanato local e os famosos cartões portais. Seus clientes, além da população local, eram os viajantes dos transatlânticos que faziam escala em Dakar. O pequeno custo de envio desse novo meio de comunicação, que circulava sem envelope, foi um dos fatores que permitiram sua imensa popularidade no início do século XX.

    Rua Dagorne e Farmácia Marsat

    Um cartão postal, editado por Veuve Roche na década de 1920, tem como legenda: DAKAR (Sénégal) – Rue Dagorne et Pharmacie Marsat. Ao fundo da imagem entrevemos o Mercado Kermel. À esquerda, uma pequena placa comercial que anuncia: Cartes Postales – FORTIER – TABAC.

    Poucas pessoas fotografaram tanto, e tão bem, a África do Oeste como Edmond Fortier. Seus registros formam uma crônica visual das colônias francesas num período – do final do século XIX a meados da década de 1920 – de grande transformação da paisagem urbana e das relações sociais entre colonizadores e colonizados.

    Fortier publicou também centenas de imagens de jovens semi-nuas nas suas séries de cartões postais. Na maioria dos casos as fotografias explicitam a dominação de gênero de de raça, mesmo se o fato de deixar os seios nus fosse uma prática cultural local. Além dessas imagens “eróticas” Fortier fotografou moças e mulheres em poses pornográficas.

    Autor de um conjunto de clichês que cobria uma imensidão de temas relacionados às colônias da África Ocidental Francesa, Fortier passou a ser a fonte à qual recorriam os autores de livros sobre a região em busca de ilustrações. Suas imagens se prestavam a tudo o que se desejava demonstrar nessas publicações, fosse o “progresso” colonial, representado nas estradas de ferro ou na construção da cidade de Dakar ou as diferentes “raças”, “tribos” e práticas culturais dos povos. Inúmeras fotografias de Fortier foram publicadas em 1912 como ilustrações do clássico Haut-Senegal-Niger de Maurice Delafosse.

    Em 1908 Fortier fez parte de uma comitiva que acompanhou o Ministro das Colônias francês numa viagem pela costa da África do Oeste.  Existe um cartão postal de autoria de F.W.H. Arkhurst, um africano akan, que registrou Fortier em ação. Ambos fotografaram a passagem do Ministro por Grand-Bassam, na Costa do Marfim. Fortier captou, de frente, o momento exato em que a comitiva atravessava um portal enfeitado com folhas de palmeiras. Para fazê-lo, provavelmente atrapalhou o colega Arkhurst, que só conseguiu captar a cena segundos depois. No canto inferior esquerdo de seu instantâneo podemos identificar Fortier com sua grande câmera fotográfica.

    Viagem do Ministro das Colônias à Costa da África. Costa do Marfim – Entrada em Grand-Bassam
    Costa do Marfim – Grand Bassam – Chegada do Ministro das Colônias M. Milliès Lacroix
    NOTAS

    1 Agradeço a Patricia Hickling pelas informações a respeito das filhas de Fortier

    2 Ver DAVID, Philippe, “Hostalier-Noal – Un duel de photographes au Journal Officiel du Senegal, Il y a cent ans”.  Images & Mémoires, lettre de liaison 14, 2006. Saint-Louis foi até 1904 a capital da colônia do Senegal e sede do Governo da África Ocidental Francesa.