EDMOND FORTIER > De Conakry a Timbuktu em 1906
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  • IMAGENS COMENTADAS 1906

    De Conakry a Timbuktu em 1906

    Kankan – O mercado

    Em 1906 Fortier realizou uma viagem pelo interior da África do Oeste, num périplo de cerca de 5 mil quilômetros que, partindo de Conakry, teve como ponto culminante a cidade histórica de Timbuktu, no norte da atual República do Mali. Publicou em seguida mais de quinhentos cartões-postais com clichês da viagem na série Collection Générale Fortier (CGF). 

    Fortier conseguiu registrar com sua lente, no intervalo de poucos meses, aspectos extremamente relevantes do cotidiano africano. Da então colônia francesa da Guiné, ele nos deixou imagens da construção da ferrovia que deveria transportar a produção de borracha, cujo ciclo estava no auge, do interior até o porto marítimo, de onde era exportada. Cidades importantes, como Kankan, localizada às margens do rio Milo, afluente do Níger, foram largamente documentadas. Retratos de pessoas em seus afazeres domésticos ou de grupos reunidos por ocasião de comemorações, algumas vezes em encenações dirigidas pelo fotógrafo, outras em situações espontâneas, aparecem também nos cartões postais dedicados à Guiné.

    Bamako – O mercado

    Ao chegar a Bamako, atual capital do Mali e da então colônia francesa do Alto Senegal e Níger, Fortier registrou a transformação em curso, onde o cimento das novas construções expulsava o barro e a palha da cidade africana mais antiga. Presenciou ali uma apresentação dos membros da sociedade iniciática Ciwara, sequência preciosa para conhecermos características desse notável rito agrário celebrado até hoje. Viajou e fotografou durante o período que precede as chuvas, época das pescarias coletivas praticadas nas lagoas e rios rasos devido à vazante. Na localidade de Ségou, Fortier retratou um grupo de bufões sagrados, os kórèdugaw. Nas proximidades da cidade de San, registrou cenas da grande festa ritual do Sanké mon. Essas duas expressões culturais da República do Mali estão hoje inscritas na Unesco como patrimônio imaterial da humanidade e necessitam de proteção permanente. Nos cartões-postais de Fortier vemos o que certamente são as mais antigas imagens desses eventos.

    Fortier desceu o rio Níger a partir de Koulikoro, num percurso de cerca de 800 quilômetros. Nas cidades ribeirinhas visitou mercados e fotografou as atividades produtivas, como a tecelagem, a fabricação da manteiga de karité e a construção de pirogas. Num período em que os africanos ainda resistiam militarmente à colonização, chegou a regiões na época conquistadas havia pouco pelos franceses, como a célebre cidade de Timbuktu. Seus itinerários levaram-no ao território habitado pelos dogon, nas falésias de Bandiagara, e à milenar cidade de Djenné, no Delta interior do rio Níger.

    Sudão – Em turnê de recenseamento

    A viagem do fotógrafo coincidiu com o período em que os administradores coloniais percorriam a região para recolher o imposto de capitação a que estavam sujeitos todos os habitantes das áreas conquistadas. Essa taxa, que independia da renda pessoal, fora instituída paulatinamente, à medida que o controle estrangeiro se firmava na África do Oeste.50 A renda mais expressiva das colônias era esse imposto pessoal pago pelos africanos, que superava amplamente os recursos provenientes das taxas cobradas aos comerciantes europeus. Em 1906, por exemplo, o imposto de capitação correspondia a 88% das rendas da colônia da Guiné.51 A cobrança de impostos é retratada em muitos postais da Collection Générale Fortier. Esse amplo espectro de interesses é um dos motivos que faz dessa série de cartões-postais um campo de pesquisas promissor, capaz de contribuir para ampliar nossos conhecimentos sobre a história da África do Oeste.

    As qualidades fotográfica, editorial e gráfica da Collection Générale Fortier de 1906 são também surpreendentes. O fotógrafo, então com 43 anos, tinha energia suficiente para viajar e levar consigo por longas distância um equipamento fotográfico que lhe permitia trabalhar com competência. Além disso, demonstrando uma grande capacidade de organização, ele tomou notas que lhe permitiram escrever, posteriormente, uma legenda para cada imagem que seria editada no formato postal. Essas informações textuais acrescentam elementos importantes ao que é visualizado e revelam sua capacidade de síntese, seu talento de editor. Ele se preocupava em transmitir, em poucas palavras, o conhecimento que adquirira durante suas jornadas. Finalmente, devemos fazer referência à sua decisão, como empresário, de contratar os serviços da melhor gráfica da França especializada na impressão de cartões-postais, as Imprimeries Réunies de Nancy. Tudo isso faz da Collection Générale uma obra excepcional. 

    Jovens (Sounkourous) Djalonkês de Toumanéa

    É evidente que para Fortier, um pequeno empreendedor de sucesso no ramo dos cartões-postais, as vendas eram uma meta importante. Interessava-lhe mostrar aquilo que agradaria a seu público, basicamente europeu, composto por funcionários da administração colonial, comerciantes em viagens de negócios e passageiros dos navios que faziam escala em Dakar. Na série de 1906 há muitas imagens de moças com os seios nus, algo comum nas colônias mas atípico nas sociedades europeias e, portanto, interessante do ponto de vista comercial. Os cartões-postais com retratos de jovens nuas representavam o exotismo das populações colonizadas e ao mesmo tempo atiçavam fantasias eróticas nos consumidores do produto. Além das novas fotografias, Fortier adicionou à Collection Générale quase uma centena de clichês de sua grande série precedente, a Fortier Photographe (FPh), que trazia imagens de moças seminuas.

    A Guiné e o ciclo da borracha

    Fortier viajou pela colônia da Guiné francesa no auge do ciclo econômico da borracha. Para resolver o escoamento desse produto estratégico foi feito nos anos 1890 o projeto de uma ferrovia que ligava o litoral ao interior da colônia. O custo, porém, retardou a implementação do programa. Em 1891 começou a ser construída a Route du Niger (Estrada do Níger), um empreendimento que alargou e melhorou as antigas rotas percorridas pelos comerciantes diúlas, que passaram a contar, por exemplo, com pontes, acampamentos públicos para viajantes e barcos para a travessia dos rios. A mão de obra necessária para as construções foi requisitada entre a população local, cujo trabalho forçado também era utilizado para o transporte de mercadorias. A estrada de ferro era vista pelo governo como um meio para prescindir do uso de carregadores e justificada quase que como uma necessidade humanitária.52 No entanto, a substituição dos carregadores por máquinas visava minorar a dependência dos colonizadores ante a mão de obra africana e romper com o monopólio das caravanas diúlas no comércio.

    A Estrada do Níger foi concluída em 1902 e por ela transitavam as caravanas levando a borracha para a capital Conakry, que ficava na costa, e também os impostos recolhidos da população do interior. Em maio de 1904, ficou pronta a primeira parte da estrada de ferro, que ia do litoral da colônia da Guiné até às margens do rio Níger, e foi inaugurada a estação de Kindia, a cerca de 150 quilômetros da capital, já nos contrafortes do Fouta Djalon.

    Conakry

    Conakry – A Praia
    Conakry – Praia de Boulbiné

    A partir de 1880, por meio de tratados com as autoridades locais e, em 1887, mediante anexação, os franceses se apossaram da península de Tombo, no litoral da Guiné, onde havia uma aldeia de nome Conakry. A cidade colonial foi fundada na ponta da península e sobrepôs-se a pequenos agrupamentos de moradores africanos já ali implantados53. Esse local estratégico, que permitiria a construção de um porto para receber vapores e concorrer com Freetown, fora escolhido pelos franceses para ser a sede administrativa e capital comercial da colônia da Guiné.

    Apesar da existência, além de Conakry, de outras três aldeias na península, em 1890 os franceses traçaram um plano urbanístico para o local, que seria recortado por vias perpendiculares sem levar em conta as construções africanas.

    Conakry – Boulbiné

    Bulbiné (Boulbiné ou Boulbinet) era uma das três aldeias que, junto com Conakry e Tombo, estavam implantadas na península antes de 1887, época em que a área foi anexada pelos franceses. Segundo Odile Goerg, a fundação de Bulbiné dataria dos anos 1860, e seria contemporânea à instalação no local de um representante da casa comercial Colin, de Hamburgo, que se chamava Bolbin.54 A imensa cobertura de fibras da construção que aparece na imagem acima era típica da arquitetura dos sussus, população que habitava a costa da então colônia da Guiné francesa.

    Griot Sussu

    O griot sussu fotografado por Fortier aparenta ser um músico itinerante. Entre seus pertences podemos identificar uma esteira, um fuzil, um espanta-moscas e uma marmita para cozinhar, além da trouxa de pano. Seu instrumento musical, o bolon, tem a haste curva e apenas três cordas. A caixa de ressonância com o revestimento remendado e decorado com cauris indica o uso intenso. O músico está vestido com roupas feitas de tecido artesanal e porta na cabeça uma chéchia, provavelmente vermelha, como as usadas pelos muçulmanos do Norte da África e que foram adotadas no uniforme dos soldados africanos a serviço da França.

    O caminho para o interior

    Trabalhos da ferrovia de Conakry ao Níger.

    Trabalhos da ferrovia de Conakry ao Níger.
    Trabalhos da ferrovia – Um trecho na rocha

    Trabalhos da ferrovia – Um trecho.

    A construção da ferrovia em direção ao interior da Guiné, visando atingir a parte navegável do rio Níger, inicialmente confiada a empreendedores particulares, foi assumida pelo orçamento da colônia em 1902.55

    Kindia era, em 1906, o ponto final da estrada de ferro da Guiné. Os trabalhos de prolongamento da estrada de ferro até a meta seguinte, localizada no desfiladeiro de Koumi, a 750 metros de altitude e a trezentos quilômetros de Conakry, prosseguiam durante a passagem de Fortier pela região. As rochas graníticas da área montanhosa dificultavam a construção do trecho. Após experiências dramáticas com a utilização de trabalho forçado no início da construção, a administração colonial passou a contratar mão de obra voluntária. No começo, quando empresas particulares eram responsáveis pelo projeto, a requisição forçada de mão de obra para a construção da estrada de ferro e as condições de trabalho degradantes causavam deserções em massa.

    Alta-Guiné –Colheita da borracha. Sangria dos cipós.
    Alta-Guiné – Compra da borracha num entreposto.

    Essas fotografias mostram, respectivamente, a extração do látex por meio de incisões na liana e o corte das bolas em um estabelecimento europeu. As factoreries (armazéns) eram postos avançados das grandes casas comerciais onde se fazia o contato com os vendedores locais de produtos nas áreas mais remotas. O segundo cartão-postal fornece informações importantes a respeito da rede que sustentava a economia da borracha na Guiné em 1906. Embora não traga referências geográficas específicas, a menção da legenda à Alta Guiné nos faz pensar que Fortier se encontrava já em regiões não atendidas pela ferrovia. À direita do grupo de pessoas retratado vemos um fornecedor do produto vestido com uma túnica feita com as faixas de algodão que eram produzidas pelos tecelões da região. No chão, à esquerda, está um suporte, fabricado com cipós, usado pelos carregadores locais para transportar as bolas de látex até os pontos de venda. O viajante francês René Caillié descreveu esse equipamento: “A carga […] é acondicionada num cesto alongado, feito de tiras de cipó finas e flexíveis; esse cesto tem cerca de noventa centímetros de comprimento por trinta de largura e de altura; depois de acomodar a mercadoria, esta é coberta e amarrada de maneira firme com cordas feitas de cascas de árvores”.56 Ao centro, três funcionários do entreposto cortam as bolas. Seus trajes e chapéus (um deles o tem pousado no joelho), de origem europeia, indicam uma situação privilegiada em relação aos entregadores de borracha. À volta do grupo vemos sacos de aniagem, provavelmente contendo o produto já triado e embalado para o transporte à sede da casa comercial.

    Apesar da operacionalização da estrada de ferro entre Kindia e Conakry, em 1906 apenas 45% da quantidade da borracha exportada transitavam pela ferrovia. As aproximadamente 1.500 toneladas do produto que vinham do interior eram transportadas na cabeça de carregadores.57 No início do ciclo da borracha, nas últimas décadas do século XIX, as caravanas levando o látex chegavam às regiões costeiras, onde estavam instaladas as casas comerciais europeias, sem interferência governamental. Nesse período, eram as estruturas africanas locais, dominadas pelos diúlas, que atendiam à demanda. 

    Toumanéa

    Vau do Tinkisso em Toumanea.
    Alta Guiné. Chefe de Toumanea.
    Alta Guiné. Região de Toumanea. Pátio interior de um tata (habitação fortificada).
    Alta Guiné – Tantã – A dança dos fuzis.
    Alta Guiné – Pátio interno da casa de um chefe de aldeia (Toumanea).

    Toumanéa, às margens das nascentes do Tinkisso, era uma das localidades na rota transversal que ligava historicamente o Fouta Djalon aos centros comerciais mais importantes do Leste, como Kouroussa e Kankan. Uma imagem retrata o ponto em que o rio podia ser cruzado a vau, e vemos a travessia de um rebanho enquanto crianças pescam com arcos e flechas. À esquerda, mulheres lavam roupa e se abastecem de água. No centro da fotografia está o calçamento da Estrada do Níger, que passava por Toumanea. A primeira parte dessa estrada, com cerca de 120 quilômetros, foi terminada em 1901 e unia Conakry a Friguiagbé. Nesse ano a administração resolveu que a continuação dos trabalhos se daria no sentido inverso, ou seja, da Alta Guiné para o litoral. Toumanéa foi escolhida como ponto de partida do novo trecho, já que de lá a comunicação com Kouroussa, Kankan e Siguiri já estava consolidada.

    Kouroussa, Kankan et Siguiri

    Alta Guiné – O Níger em Kouroussa. Após vinte dias de marcha através das montanhas da Guiné chega-se enfim ao Níger em Kouroussa.

    Em Kouroussa as águas do Níger, tendo já percorrido centenas de quilômetros desde suas nascentes a oitocentos metros de altitude, se espalham pelo planalto. Apesar da imponência, esse trecho fica a montante da altura em que o rio é navegável.

    Alta Guiné. Kouroussa. Praça do mercado.

    Kouroussa, Kankan e Siguiri, as localidades mais importantes da Alta Guiné, foram visitadas por Fortier. Essa região, de povoamento antigo, havia feito parte do Império do Mali (séculos XIII a XVII) e posteriormente formou o centro dos territórios dominados por Samory Touré.  

    Alta Guiné. Tantã – Os griots carregam enquanto dançam meninas fantasiadas que executam todo tipo de movimentos.
    Alta Guiné. Tantã
    Alta Guiné. Tantã malinquê.
    Alta Guiné. Jovem tipo “djalonquê”.
    Alta Guiné. Jovem tipo “djalonquê”.

    As duas últimas imagens mostram jovens identificadas por Fortier como “djalonquê”. Como a referência geográfica é a Alta Guiné, podemos supor que elas fizessem parte da população desse grupo presente na região do Hamana, cuja localidade mais importante é Kouroussa. Muitos djalonquês migraram para o Leste quando os fulas conquistaram o Fouta Djalon. A variedade dos adornos e penteados usados por essas figuras femininas expressam momentos da vida (infância/ puberdade/ casamento) e são também sinais de condição social. 

    Alta Guiné – Uma mesquita de aldeia.

    Fortier não informou a localização geográfica da mesquita que vemos na figura acima, construída com tijolos de adobe. É possível que a aldeia mencionada na legenda do cartão-postal se situasse nas proximidades de Kankan, que era a cidade mais islamizada da Alta Guiné.

    Alta Guiné – Kankan. Praça do mercado.

    Kankan, à beira do Milo, o principal afluente da margem direita do rio Níger, é uma cidade historicamente importante, fundada no fim do século XVI. Quando a região de Kankan passou a fazer parte da colônia da Guiné, sua população era estimada entre 20 e 30 mil habitantes, e a da cidade em 12 mil moradores, número muito maior do que a da nova capital Conakry.58 Esse aglomerado populacional se devia ao prestígio do local como centro de saber islâmico e moradia de uma aristocracia de sábios muçulmanos conhecidos como marabouts, mas principalmente por ser Kankan um polo estratégico no comércio de longa distância que unia as florestas produtoras das nozes de cola ao vale do médio rio Níger, de onde provinha o sal-gema do Saara. Muitos membros da diáspora diúla, os agentes principais desse trânsito, viviam em Kankan, que, embora não contribuísse com produtos para as trocas no eixo Norte-Sul, servia como ponto de trânsito das caravanas.

    As nozes-de-cola são mercadoria extremamente perecível. Os ganhos comerciais dependiam da eficiência da rede de transportes, composta por carregadores e que contava com pontos de apoio no longo trajeto percorrido. Os intermediários diúlas em Kankan garantiam a organização de caravanas e coordenavam a redistribuição nas zonas consumidoras ao Norte, fazendo com que o produto chegasse ao destino em boas condições de venda. Além desse papel comercial, Kankan era cercada de áreas de cultivo que abasteciam o local e as caravanas de passagem. Segundo Jean Suret-Canale, a cidade se caracterizava por ser um aglomerado de aldeias, que formavam bairros onde viviam populações trabalhando em ocupações distintas.59

    Kankan foi ocupada militarmente pelos franceses em 1891. A chegada dos comerciantes europeus e o ciclo da borracha transformaram a economia local. Apesar disso, o comércio inter-regional das nozes-de-cola e do sal-gema continuou ativo e dominado pelos diúla.60 Em seu caminho em direção ao Níger navegável, Fortier poderia ter prosseguido diretamente de Kouroussa para Siguiri. A importância da cidade de Kankan teria motivado o desvio até lá.

    Alta Guiné – Kankan. O mercado.
    Alta Guiné. Caçadores de elefantes da região de Kankan.

    Nas imagens acima podemos identificar os trajes e equipamento dos caçadores de elefantes. Vários deles usam o chapéu quadrangular que, vestido, forma pontas nas quais são aplicados chumaços de fios. A roupa, feita com tecido artesanal de algodão, é tradicionalmente tingida com plantas para adquirir uma cor marrom. Além dos fuzis, esses homens carregam cabaças oblongas, possivelmente contendo pólvora. Pendurado no pescoço de um deles vemos um apito, também usado na atividade. 

    Alto Níger. Tantã dos caçadores antes da partida.
    Alto Níger. Tantã dos caçadores.
    Alta Guiné. Tantã – a dança da espada.
    Tantã em Kankan

    As quatro figuras acima são relacionadas às duas anteriores. A celebração retratada comemora a partida dos caçadores e ocorre perto de um muro de adobe. É provável que esse rito tradicional, que antecede a chegada do Islã na região, estivesse sendo representado para um grupo de visitantes europeus do qual o fotógrafo faria parte.

    Kankan – Avenida do Rio
    Alta Guiné – Kankan. Aldeia dos somonos perto do rio. Baobá podado ao meio que serviu de posto de vigília durante as guerras contra Samori.

    Nas figuras acima vemos a área da cidade próxima ao rio Milo. No primeiro cartão-postal o remetente comenta o hábito, comum na África do Oeste, de meninos andarem nus até à circuncisão. Bilakoro é o termo local para não-circuncidado. No segundo cartão, a legenda menciona que nos é mostrada uma aldeia de população somono, grupo que se dedica à pesca e à navegação fluvial. Somos informados também de que o tronco do baobá que aparece ao fundo da fotografia foi cortado para servir de posto de vigília durante as guerras contra Samory. A memória do líder, que conquistou a cidade em 1881 após longo cerco, se fazia assim presente na paisagem.

    Tintureiras de Kankan
    Mulher fabricando potes

    A tinturaria e a olaria, atividades femininas na região, são mostradas nas figuras acima. O tingimento com índigo (indigofera tinctoria) é até hoje uma especialidade da cidade de Kankan. Numa imagem, uma mulher mexe o líquido no pote de barro em que as folhas foram fermentadas e no qual os tecidos são imersos durante vários dias. Em outra um bebê mama enquanto sua mãe lixa uma peça de cerâmica.

    Alta Guiné – Estrada de Kankan a Siguiri.
    Alta Guiné. Passagem do Tinkisso na estrada de Siguiri.
    Alta Guiné-Sudão. No Níger – Em chalana de Siguiri a Bamako. Parada da tarde. Instalação dos apetrechos. O boy prepara a sumária refeição na margem.

    De Kankan, Fortier prosseguiu para Siguiri. Nas imagens vemos um trecho do caminho e a passagem, por meio de uma canoa, do rio Tinkisso. As pessoas que esperam na margem parecem ser membros de uma caravana de diúlas. É na região de Siguiri que ficam as históricas minas auríferas do Bouré, fonte de riqueza dos Impérios de Gana (séculos VIII a XIII) e do Mali (séculos XIII a XVII). Localizada na confluência dos rios Tinkisso e Níger, a cidade de Siguiri era um ponto importante nas rotas comerciais que ligavam a zona saheliana à floresta. Pelo Níger chegavam a Siguiri, além do sal, tecidos artesanais das regiões a jusante do rio e produtos europeus vindos de Kayes, no Alto Senegal.

    NOTAS

    50 Francis Simonis explica: “O recurso do imposto resultava ao mesmo tempo de uma escolha e de uma necessidade. Uma escolha, pois não se cogitava a hipótese de negligenciar esse marco de soberania. E uma necessidade, pois a lei de finanças [da França] de 13 de abril de 1900, da qual o artigo 33 fixava o princípio da autonomia financeira das colônias, estipulava que era obrigação dessas cobrir com fundos próprios as despesas realizadas pela metrópole em seu território”. Ver SIMONIS, Fracis (org.), Le Commandant en tournée – Une administration au contact des populations en Afrique Noire coloniale. Paris: Seli Arslan, 2005, p. 17. Assim, investimentos que eram decididos pelo colonizador, como a construção de ferrovias, por exemplo, eram financiados pelos impostos pagos pelos africanos.

    51 Cf. Gouvernement Général de L’Afrique Occidentale Française (Colonie de la Guinée Française, Service local), Compte définitif des recettes et des depenses, exercice 1906. Conakry: Imprimerie du Gouvernement, 1907, p. 6.

    52 Ver ROUME 1906, p. 6.

    53 Sobre a fundação da cidade de Conakry, ver GOERG, Odile, “Conakry: un modèle de ville coloniale française? Règlements fonciers et urbanisme, de 1885 aux années 1920”, in Cahiers d’études africaines, v. 25, n. 99, 1985, pp. 309-35, e GOERG, Odile, Pouvoir Colonial, Municipalités et Espaces Urbains – Conakry – Freetown des années 1880 à 1914. Paris: L’Harmattan, 1997, v. I, Genèse des municipalités.

    54 GOERG, 1999, p. 393

    55 Sobre a construção da ferrovia, ver MANGOLTE, Jacques, “Le chemin de fer de Konakry au Niger, 1890-1914”, in Revue française d’histoire d’Outre-Mer, tomo LV, n. 198, 1968, pp. 37-105.

    56 Cf. CAILLIÉ, R., op. cit., 1830, v. I, p. 255. Citado por Lakroum, Monique, “Le conditionnement ou ‘l’art de la marchandise’ en Afrique de l’Ouest (XIX siècle)”, in Outre-mers, tomo 91, n. 344-345, 2004, p. 36. Nesse interessante artigo a autora analisa as imagens de seis cartões-postais de Fortier.

    57 Ver GOERG 1986, pp. 293 e 331.

    58 Segundo Jean Suret-Canale, até a década de 1930 Kankan continuou sendo uma cidade com o dobro da população de Conakry. Ver SURET-CANALE, Jean, La République de Guinée. Paris: Éditions Sociales, 1970, pp. 152-55. Para os dados populacionais de Kankan, ver também GOERG, O., op. cit., 1986, p. 277.

    59 SURET-CANALE, 1970, pp. 152-153

    60 Sobre as relações entre os comerciantes africanos e os europeus e as transformações da economia tradicional nas primeiras décadas do período colonial, ver GOERG, O., 1986, pp. 381-96.