Do lago Débo a el Oualedji
Entre Ségou e Timbuktu, as águas dos rios Níger e de seu importante afluente da margem direita, o Bani, se espraiam numa imensa planície de cerca de 30 mil quilômetros quadrados. O fluxo que transborda os leitos principais durante as cheias, por meio de ramificações de riachos e canais, cria o Delta Interior do rio Níger.122 Na época da seca, parte da água volta para o leito original e parte fica acumulada nas depressões formando lagos. Os grandes lagos da bacia do Níger situam-se na parte norte do Delta Interior.
Vemos as bordas de um lago, cuja extensão arenosa das margens mostra que, na altura da passagem de Fortier pelo local, as águas estavam baixas. Embora as cheias no alto Níger ocorram no período chuvoso, que se inicia por volta do mês de junho, a lentidão das correntes através da planície e do labirinto do Delta Interior retardam de montante a jusante o calendário da expansão e retração das águas. Na região dos lagos as cheias se verificam cerca de seis meses após as chuvas tombarem nas cabeceiras do Níger.
O lago Débo é um imenso reservatório das águas do rio Níger, formado numa vasta depressão de fundo plano e pouco profundo. Numa zona árida, o lago propicia a subsistência das populações de pescadores, agricultores e pastores que vivem nos seus entornos. Jacques Daget descreveu a região:
A margem norte, pouco recortada, eleva-se lentamente até o nível das dunas, ao longo das quais as aldeias estão implantadas. Desde a montanha de rochas sedimentares de Gourao até Aka, a vazante faz emergir uma grande superfície arenosa e lodosa onde cresce uma vegetação baixa e esparsa. Os moluscos aquáticos abundam. A margem sul, ao contrário, é pantanosa e inospitaleira, inteiramente cercada por uma zona de burgu [gramínea Echinochloa stagnina] no meio da qual canais e córregos se emaranham inextricavelmente.123
Entre os pastores fulas, as mulheres são responsáveis pela ordenha do rebanho. O leite das vacas, ovelhas e cabras constitui a base da alimentação dessas populações. O excedente, in natura ou transformado em manteiga e outros derivados, é comercializado nos mercados. Nesse cartão-postal vemos uma jovem que segura um recipiente, provavelmente contendo laticínio, coberto por uma tampa circular feita de fibras vegetais. Sobre esta estão duas colheres fabricadas por meio de corte longitudinal feito em pequenas cabaças de formato oblongo.
Ao sair do lago Débo, o rio Níger se divide em dois braços principais: o Issa Ber, a oeste, mais caudaloso, e o Bara Issa, a leste e com menor fluxo. A legenda da figura acima indica que, nesse trecho, Fortier desceu o Bara Issa, embora a rota fluvial mais utilizada passasse pelo Issa Ber. Os cartões-postais que retratam Sah e Saraféré são possivelmente os primeiros registros fotográficos dessas localidades. René Caillié passou por Sah em abril de 1828, a caminho de Timbuktu. Ele relata:
Havia, no porto de Sah, de quatrocentas a quinhentas pessoas, barqueiros e habitantes da aldeia; eles observavam uma flotilha. O porto estava repleto de mercadorias embaladas, prontas para serem levadas a bordo das embarcações. O comércio me pareceu de uma pujança surpreendente; a flotilha tinha uma imponência que eu não esperava encontrar no interior da África. A atividade que reinava em todo o local me fazia crer que eu estava num porto mercante da Europa. As maiores embarcações eram propriedade de mouros: são eles que realizam o comércio mais importante em toda a região; eles se organizam em associações e fazem o frete de mercadorias a serem transportadas até Timbuktu, onde recebem seu pagamento em sal ou em cauris.124
Maurice Delafosse atribui a fundação de Saraféré, que vemos nas 2 figuras acima e 3 abaixo, à dinastia dos Faran da cidade de Gao, por volta do fim do século XII ou início do século XIII.125 Uma descrição de Saraféré, que se refere ao ano de 1899, foi feita por Eugène Lenfant, capitão da Artilharia Colonial Francesa:
No dia 18 de agosto à meia-noite desembarquei em Saraféré, aldeia aprazível na confluência do Bara Issa e do Koli Koli. É um porto extremamente atulhado. Havia mais de 150 pirogas, grandes e pequenas, capazes de transportar duas, cinco, dez e mesmo quinze toneladas e que, vindas de Djenné, Ségou, Koulikoro, Kabara, Diafarabé etc., aguardavam cargas de arroz e milhete para retornar. O porto de Saraféré é tão ativo como o de Bercy, em Paris.126
O relato do capitão Austin Haywood, que visitou a cidade em março de 1910, é também interessante. Suas impressões:
A cidade consiste numa estranha reunião de casas de adobe, de aparência um tanto mourisca. As ruas são pitorescas, aleias estreitas, serpenteando sem direção definida ao longo do lugar. Todas as casas têm o teto plano, sobre o qual os cidadãos mais prósperos desfrutam do frescor do crepúsculo. Saraféré é referida como irmã de Timbuktu, devido às similaridades existentes entre as duas cidades. Os habitantes são em maioria songhais, mas o local é dividido em bairros onde vivem árabes, fulas, bambaras, bozos e tuaregues, todas essas raças bastante bem representadas. Além dos residentes permanentes, há uma população flutuante de mercadores de todas as partes do Sudão ocidental. Mossis do Sul trazem tecidos artesanais e nozes-de-cola, o produto mais importante do grande mercado de Ouagadougou. Mouros e tuaregues trazem sal e goma arábica das regiões desérticas do Norte. Songhais de Djenné levam temperos e pimentas nativas para o mercado de Saraféré, enquanto hauçás de Kano, ao leste, trazem contas de vidro, avelórios e produtos fabricados com couro. […] O solo próximo às margens do rio produz arroz e milhete de qualidade, porém, longe das águas, é pobre e desértico.127
Da mesma maneira que chamaram a atenção de Fortier, que fotografou o processo de sua construção, as pirogas de Saraféré impressionaram Haywood. Ele descreveu em detalhes essas embarcações, às quais deu o nome de “canoas Níger”, elogiando a tecnologia envolvida na sua manufatura:
Existem dois estilos de pirogas no rio Níger, as pirogas de tipo ‘Djenné’ e as de tipo ‘Níger’. Enquanto permaneci em Saraféré, tive a oportunidade de assistir à construção de um barco da segunda variedade. Todo o material usado provém da palmeira dum. É interessante observar como os diversos segmentos dessa árvore são empregados na manufatura de uma piroga. Dado que a palmeira dum é praticamente a única árvore presente na região, sua múltipla utilidade é uma dádiva para os nativos.
Uma piroga fabricada com essa palmeira não pode ser construída da maneira como são talhadas as canoas feitas com um só tronco. Isso não é possível, pois o caule da palmeira dum tem diâmetro reduzido e diversas árvores precisam ser usadas para elaborar uma única piroga. A maioria das pirogas é feita com seis pedaços diferentes de madeira, que são costurados, mas é evidente que o número de peças necessárias varia conforme o tamanho da embarcação a ser construída. O primeiro procedimento é lavrar de modo aproximado as diversas partes do arcabouço até que tomem o formato desejado. As ferramentas utilizadas são um instrumento semelhante ao formão e um martelo com cabeça de ferro. Essas ferramentas são de fabricação local, forjadas de maneira rudimentar por um ferreiro nativo, e dificilmente as mais adequadas para o trabalho a que se destinam. Não obstante o resultado não é de modo algum ruim, o que confere um grande mérito à habilidade dos artesãos. Quando os componentes da estrutura ficam definidos, são dispostos e mantidos na posição correta por meio de toras de madeira que os sustentam. O próximo passo é unir esses pedaços costurando-os. As bordas são perfuradas com um instrumento pontiagudo e uma corda é passada nesses orifícios de maneira a atar as partes.
A corda utilizada é confeccionada com tiras do talo da folha da palmeira. Essas tiras são trançadas até que formem um tipo de amarra que é assaz forte e durável. Os orifícios nas peças da estrutura são obstruídos mediante diversas passagens da corda por eles, mas inevitavelmente sobra espaço entre as laçadas que permitem a penetração de água.
A tarefa seguinte consiste em fechar esses orifícios de forma mais eficiente, pois seria impossível permanecer por muito tempo dentro d’água numa piroga que vazasse tanto como ocorreria com o produto inacabado. As folhas das palmeiras são utilizadas com essa finalidade. Elas têm uma textura bastante fibrosa. Essa fibra é triturada até se tornar uma massa amarelada, macia e fácil de manipular. Uma pequena quantidade do material é introduzida em todas as brechas até que nenhuma fissura possa ser discernida. Nesse momento falta apenas aplainar as superfícies ásperas da piroga, colocar assentos etc. Mesmo as melhores pirogas vazam demasiado, mas uma provisão da fibra acima descrita é sempre mantida a bordo com o objetivo de frear os vazamentos mais graves, e um homem fica frequentemente ocupado com esses apuros. Essas pirogas raramente duram mais do que um ano, mas seu feitio é tão simples e a matéria prima tão abundante que não há grande dificuldade em substituí-las.128
Em seu estudo sobre o delta central do Níger, Jaques Daget identificou inúmeros tipos de redes de pesca e elencou os materiais com que eram fabricadas.129 Embora várias fibras vegetais, como o quenafe (Hibiscus cannabinus), o feijão-de-corda (Vigna unguiculata) e o algodão fossem usadas, as fibras das folhas das palmeiras-de-leque (Borassus akeassii), chamadas roniers pelos franceses, mais rijas, não se prestavam para esse fim. Entretanto, Daget observa que essas eram utilizadas para a confecção de armadilhas de pesca (nasses, em francês).130 Assim, provavelmente era essa a atividade que vemos retratada na imagem.
Vemos na imagem acima em primeiro plano mulheres à beira do Bara Issa e, à direita, remos espetados na areia. Uma piroga feita com pedaços costurados de palmeira dum passa pelo rio. Estão ancoradas à margem quatro embarcações de um tipo diferente, com cobertura feita com esteiras de palha. Austin Haywood comentou a respeito desses barcos, comparando-os com as pirogas:
A piroga de tipo ‘Djenné’ tem um formato mais elegante e melhor acabamento. Não é difícil identificar uma piroga ‘Djenné’ quando se observa o rio. Na construção, a única diferença é que os artífices de Djenné usam ripas de madeira para unir os diversos componentes da estrutura, ao invés de costurá-los. Pirogas de dezoito metros são frequentemente avistadas no Níger. Em geral pertencem a um mercador local, ou são propriedade de um chefe abastado. São sempre cobertas com esteiras, que formam um toldo que protege do sol e das intempéries. As pirogas locais são de pequeno calado. Duvido que submerjam mais do que oito centímetros. Toda a população ribeirinha é hábil no manejo de remos e varas de propulsão. Se necessário, os remadores podem trabalhar dia e noite com apenas três horas de descanso a cada vinte e quatro, mantendo esse ritmo por cinco ou seis dias contínuos. As pirogas percorrem longas distâncias no Níger. Elas singram frequentemente entre Timbuktu e Koulikoro, um curso de quase mil quilômetros. As pirogas de Saraféré normalmente comerciam apenas com Timbuktu, ao Norte, ou Djenné, ao Sul. Enquanto estive em Saraféré diversas pirogas chegaram de Djenné trazendo mercadores com produtos daquela zona. Na ocasião, as águas do rio a jusante de Saraféré, na direção de Timbuktu, estavam baixas e portanto apenas pequenas embarcações transitavam entre as duas cidades.131
Na imagem acima vemos ainda alguns recipientes de barro espalhados na beira do rio. Haywood explica: “As mulheres do local modelam jarras de barro com argila obtida nas margens do Bara Issa. Esses potes têm um formato pouco elaborado, mas são muito úteis para refrescar água”.132
A passagem de Fortier pelo Delta Interior do rio Níger se deu na época da seca, quando para se ir de Saraféré a Timbuktu não era possível prosseguir pelo Bara Issa. Uma estrada ligava Saraféré a Niafunke, nas margens do Issa Ber.
A imagem que retrata o posto francês em Niafunke, a localidade mais a leste do Sudão com administração civil, mostra mais uma vez o produto das taxas impostas à população local pelo governo colonial. O arroz, além do milhete, era um cereal muito consumido na região. É possível que o arroz recebido como imposto fosse enviado para consumo das tropas coloniais estacionadas na cidade de Timbuktu. A rizicultura aquática é praticada no Delta Interior do Níger desde a Antiguidade. A espécie cultivada, o Oryza glaberrima ou arroz africano, foi domesticado há cerca de 3 mil anos a partir de uma planta nativa, o Oryza barthii. Muito resistente às pragas, o arroz africano não é tão produtivo como o asiático. Nesse cartão-postal, os sacos que contém o arroz são feitos de palha. A confecção desse tipo de embalagem, usada também para transportar o peixe seco nas embarcações do rio Níger, era uma especialidade da cidade de Niafunke.133
Quando Fortier fotografou a paisagem dos entornos do sítio arqueológico de El Oualedji (acima), por volta de junho de 1906, Louis Desplagnes, que descobriu e estudou as sepulturas entre junho e novembro 1904,134 escrevia na França a obra Le Plateau Central Nigérien, que seria publicada em 1907.135 É, portanto, aos trabalhos da Mission Desplagnes que Fortier se refere na legenda desse cartão-postal. Em primeiro plano vemos uma piroga feita com pedaços de madeira costurados que foi empurrada para a margem pantanosa da junção do Bara Issa e do Issa Ber. Um pastor, seu rebanho e mais dois homens aparecem na fotografia. Ao fundo, destacando-se na planície como uma montanha, o túmulo. Desplagnes assim o descreve:
Sua massa imponente, na forma de domo arredondado e matizado de vermelho terracota devido à sua superfície argilosa, atrai o olhar dos viajantes que navegam o Níger. Seu cume eleva-se dezessete metros acima do nível médio das águas do rio e sua base cobre mais de cem metros quadrados. Esse tumulus, aos pés do qual foi construído o antigo posto administrativo de El Oualedji, é um dos mais conhecidos na área de Timbuktu.
Ademais, tem a particularidade de ser designado pelo nome de um célebre marabu [sábio muçulmano], vindo de Binga [no Darfur, região da atual República do Sudão], cujos restos mortais, até hoje venerados, repousam sob uma pequena kouba [monumento fúnebre de forma cúbica, encimado por uma cúpula, caiado de branco] localizada a uma centena de metros do monumento pré-histórico. Essa contiguidade entre a construção histórica, santuário reverenciado por todos os muçulmanos da região, e o antigo monte tumular tem causado inúmeras confusões.
Félix Dubois foi um dos primeiros a descrevê-lo, na sua obra Tombouctou La Mysterieuse, de 1897. Ele também decifrou a verdadeira natureza dessas colinas artificiais relacionando-as com lucidez aos escritos de El Bekri a respeito dos funerais e das tumbas dos chefes sudaneses durante o século X de nossa era.136
O jornalista Felix Dubois, que passara pelo posto francês em El Oualedji em 1896, demonstra sua cultura e percepção intelectual aguda ao observar a paisagem próxima ao posto (a que vemos no cartão-postal de Fortier) e notar:
A algumas centenas de metros […] eleva-se um montículo isolado sobre a margem plana. Certamente não é uma obra da natureza. […] corria a lenda de que se tratava de moradias de chefes de tempos passados, hoje em ruínas.
Não acredito nisso. Penso que esses montículos são tumbas e não palácios desses mesmos líderes. El Bekri, um árabe que visitou essa região por volta em meados do século XI, descreve os funerais dos chefes nos seguintes termos:
Quando da morte do rei, esses negros constroem com madeira da palmeira-de-leque um grande domo sobre o local que servirá de túmulo. A seguir o corpo é estendido sobre um estrado ornamentado com tapetes e almofadas e colocado no interior do domo. Perto do defunto são dispostos seus adornos, suas armas, os pratos e taças nos quais comeu e bebeu e diversos tipos de alimentos e líquidos. Então, junto com o corpo do soberano, eles trancafiam vários cozinheiros e preparadores de bebidas. O edifício é coberto com esteiras e mantas, e a multidão reunida se precipita para jogar terra sobre a tumba formando assim uma grande colina. Eles cercam esse monumento com um fosso que tem apenas uma passagem para aqueles que desejem se aproximar. Eles sacrificam vítimas aos mortos e levam bebidas inebriantes como oferenda.137
O resultado dos trabalhos de Desplagnes confirmou a hipótese de Dubois. Devido à extraordinária abundância de armas encontradas, Desplagnes concluiu que se tratava da sepultura de um guerreiro: “As escavações do túmulo de El Oualedji revelaram o corpo de um chefe militar inumado com um de seus companheiros de armas, escudeiro ou criado, numa câmara funerária construída com troncos de palmeiras e contendo todos os objetos de uso cotidiano desses guerreiros”.138
Em Timbuktu
Situada na margem sul do Saara, Timbuktu era inicialmente um poço no caminho de transumância de grupos nômades do deserto que, no final do século XI, passou a ser ocupado de forma permanente.139 Sua posição estratégica, próxima ao ponto mais setentrional do curso do rio Níger, tornou Timbuktu uma cidade importante nas rotas transaarianas de comércio por onde trafegavam ouro, sal, pessoas escravizadas e produtos vindos da África mediterrânea. No início do século XIV, a cidade foi integrada ao Império do Mali e recebeu a visita do Mansa (rei) Musa I (Kankan Musa) durante sua peregrinação a Meca, cujos ecos chegaram à Europa. O portulano conhecido como “Atlas Catalão”, de 1373, inclui a representação de um rei africano segurando uma grande pepita de ouro, o que pode ser considerado como o ponto de partida da fabulação a respeito de Timbuktu. Como explica John Hunwick, “estima-se que no século XIV, época em que o Império do Mali atingiu seu apogeu, dois terços do ouro em circulação no mundo provinham da África do Oeste. Uma parte substancial desse ouro passava por Timbuktu, escala importante no transporte de mercadorias, pessoas, ideias e livros”.140
O Império Songhai incorporou a cidade em 1468 e a controlou até 1591, quando um exército do sultão marroquino Ahmad al-Mansur a invadiu. Uma nova elite política, originária do Marrocos e conhecida como Arma, instalou-se em Timbuktu e paulatinamente se integrou à sociedade local. Durante o século XVIII, grupos tuaregues ocuparam e pilharam diversas vezes a cidade, enfraquecendo o poder dos Arma. Em 1826, Seku Ahmadu, fundador do Estado teocrático do Macina, dominou Timbuktu. A chegada dos exércitos de Umar Tall à região, em 1864, implicou em nova mudança de controle. A penetração francesa para o interior da África do Oeste, projetada por Faidherbe em meados do século XIX e partindo da colônia do Senegal, já tinha em vista a conquista de Timbuktu.141
Como veremos adiante, a resistência à entrada dos europeus na cidade, que termina ocorrendo em dezembro de 1893, coube aos tuaregues do grupo Tengeregif.
Timbuktu foi o destino mais longínquo alcançado por Edmond Fortier em seu périplo pelo interior da África do Oeste. Em 1906, a cidade fazia parte do Território Militar do Níger, que era então uma dependência da colônia do Alto Senegal e Níger.142 Embora os franceses controlassem Timbuktu, conquistada em dezembro de 1893, parte da população que vivia nas imensas extensões desérticas que circundavam a cidade ainda não havia sido submetida. Taoudeni, onde ficavam as minas de sal-gema, produto cujo comércio era a principal atividade econômica de Timbuktu, estava fora da zona dominada pelo poder colonial. Em 1912, Austin Haywood escreveu:
O mais importante artigo de comércio da cidade é o sal. Esse produto é trazido periodicamente das minas de Taoudeni, quinhentos quilômetros ao norte, por grandes caravanas. […] Essas caravanas são frequentemente atacadas por salteadores do deserto. É sabido que bandos de assaltantes percorrem imensas distancias para atacá-las.143
Como vimos, no Alto Senegal e Níger o imposto de capitação representava a parte mais importante das receitas orçamentárias. Em Timbuktu a situação era diferente e os tributos cobrados sobre o sal transportado por caravanas de camelos eram a principal fonte de renda do governo local.144 Era também o comércio do sal que garantia a importação de alimentos vindos das áreas férteis banhadas pelo rio Níger, necessários para o abastecimento da cidade.
É provável que para chegar a Timbuktu Fortier tenha desembarcado no porto de Korioumé, por onde passa o curso principal do Níger. Durante a época da cheia do rio, quando as águas se espraiam, era possível navegar até Kabara, localizada num braço secundário. O cartão-postal que vemos acima, numa edição posterior, recebeu a legenda “Os burriqueiros de Timbuktu”. Dupuis-Yacouba, em sua obra sobre as profissões dos habitantes de Timbuktu, informa:
Burriqueiros (Farka-dyi) – os burriqueiros fazem principalmente o transporte de mercadorias entre Timbuktu e o porto no rio, ou seja, entre Timbuktu e Kabara (oito quilômetros), ou entre Timbuktu e Day (onze quilômetros), ou entre Timbuktu e Korioumé (treze quilômetros), dependendo da altura das águas. O movimento nessas estradas é sempre muito intenso; todo o alimento consumido na cidade vem do sudoeste, das regiões de Saraféré, Mopti, Djenné, Ségou, San etc. A cada dia, pirogas trazem milhete, arroz, amendoim, manteiga de karité, tecidos etc. A cada dia também pirogas partem para esses mesmos locais levando sal em barras de Taoudeni, couros, um pouco de goma arábica etc. Tanto na chegada como na partida, são pequenos jumentos cinzentos que fazem o traslado desses produtos, garantindo assim o sustento de seus proprietários. Todo dono de um jumento pode se tornar burriqueiro. Não há uma corporação especial para essa profissão. Entretanto, existem sociedades organizadas por empreendedores que se dedicam a garantir que mercadorias sejam transportadas por alguns de seus membros. Elas em geral vinculam-se a alguma casa comercial europeia ou a um grande mercador africano e se responsabilizam por recrutar os jumentos necessários a seus requisitos.145
Esse texto, em que Dupuis-Yacuba discorre a respeito dos meios de transporte entre a cidade e o rio, nos ajuda a entender também as características de Timbuktu: um entreposto comercial privilegiado, situado no encontro de áreas ecológicas que trocavam produtos complementares. O autor, interessante personagem da qual voltaremos a tratar, vivia em Timbuktu e escreveu na introdução desse belo livro:
Permitam-me retificar as ideias preconceituosas e admitidas como certas por alguns europeus de passagem, como são quase todos os que aqui chegam […]. Ao não avistar campos cultivados ou manufaturas importantes, acreditam que os habitantes vivem à toa. Bem, se assim fosse, essa seria a terra dos sonhos. Pensem comigo: não ter que trabalhar para viver! É certo que isso não ocorre e eu afirmo que uma imensa atividade impera nessa região e que os habitantes de Timbuktu precisam recorrer cotidianamente à engenhosidade que garante seu sustento.146
Muitos viajantes, como Ibn Battuta no século XIV, Leão, o Africano, no XVI e os exploradores europeus no XIX, relataram a experiência de visitar Timbuktu. Fortier, o primeiro fotógrafo a registrar amplamente a cidade e o cotidiano de seus habitantes no início do século XX, nos oferece um outro tipo de discurso. As informações reunidas nas imagens que publicou representam uma espécie de crônica visual do lugar naquele momento.
O grande número de cartões-postais dedicados a Timbuktu, sendo um deles duplo com um panorama da cidade, indicam que o fotógrafo passou algum tempo no local.
Patrimônio islâmico
Por causa de sua importância econômica como entreposto comercial, Timbuktu foi, ao longo da história, incorporada a impérios, invadida e subjugada por grupos nômades. Se mudavam as entidades políticas que controlavam o local, permanecia a posição destacada que a cidade ocupava como centro de saber muçulmano.
A geografia de Timbuktu, situada em num dos extremos da rota transaariana e ao mesmo tempo tão próxima do rio Níger, o que garantia a comunicação com o Sul da região, contribuiu para que lá emergisse uma sociedade cosmopolita. Em virtude do comércio, gentes do Norte da África conviviam com populações das margens do Níger. Escolas, bibliotecas e a presença de uma elite intelectual islâmica atraíam muçulmanos de muitas origens.147
As três mesquitas fotografadas por Fortier são, do ponto de vista histórico, locais importantes de criação e difusão de conhecimentos. As legendas dos cartões-postais, que datam a construção das mesquitas de Sankore e Djinguereber no século XI, e a de Sidi Yahya no século XV, e mencionam seus patronos, reproduzem informações constantes da Monographie de Tombouctou, publicada em 1900.148 Estudos posteriores reavaliaram essa datação e a história de cada construção. Paul Marty escreve sobre Djinguereber:
Quando a cidade já florescia há muitos séculos, [a mesquita] foi construída pelo sultão do Mali, El Hadj Kankan Musa, no retorno de sua peregrinação a Meca (por volta de 1325). A tradição informa que o arquiteto foi um árabe espanhol trazido de lá pelo sultão, ‘um excelente mestre de Granada’, já dizia Leão, o Africano, no início do século dezesseis. O edifício foi submetido, ao longo dos séculos, a reformas constantes. Os Tarikh mencionam a que foi efetuada entre 1560 e 1580 pelo cadi da cidade, Al-Aqib, quando voltou da peregrinação.149
Sobre Sankore, Félix Dubois diz em sua obra Tombouctou, la Mysterieuse: “Famílias devotas e letrados de Timbuktu viviam nos entornos na mesquita de Sankore, formando ali um bairro universitário análogo ao nosso Quartier Latin”.150
Marty comenta a importância da mesquita de Sidi Yahya para a cidade:
Foi aos pés de Sidi Yahya, protetor da cidade, que a população de Timbuktu buscou constantemente refúgio ao longo de sua história. Em 1893, quando os franceses já estavam nas imediações e tanto temor suscitavam, foi na mesquita de Sidi Yahya que ocorreu a grande assembleia na qual foi decidida a conduta a ser adotada em relação a eles.151
As fotografias das três principais mesquitas de Timbuktu em 1906 são registros importantes. A pertença à comunidade islâmica sempre fez parte da identidade da cidade, e essas mesquitas, apesar de renovações contínuas, permanecem até hoje como símbolos de Timbuktu. As informações presentes nos cartões-postais ajudam na reconstituição da história desses monumentos.152
Timbuktu e os europeus
Na Europa, após o início da exploração das minas auríferas das Américas pelos conquistadores ibéricos no século XVI, o ouro vindo da África e as lendas a esse respeito já não eram tão importantes. Entretanto, a fama de Timbuktu voltou a instigar as mentes europeias a partir do final do século XVIII, quando a African Association foi fundada na Inglaterra com o objetivo de aumentar o conhecimento geográfico científico sobre o continente africano. Financiado pela African Association em sua primeira viagem, entre 1795 e 1797, Mungo Park conseguiu chegar ao rio Níger e constatar que esse corria de Oeste para Leste. O tema do Níger, cuja direção, curso, nascente e foz eram desconhecidos, interessava sobremaneira aos geógrafos da época. A chegada à cidade de Timbuktu, sabidamente próxima ao rio, surgia então como o corolário possível da questão do Níger. O relato de uma viagem realizada pelo mercador Abdessalam Shabeeny no ano de 1787 de Fez, no Marrocos, a Timbuktu, publicado em 1820 pelo cônsul inglês em Mogador, James Gray Jackson, mencionava em diversas passagens a abundância de ouro que circulava na cidade sudanesa. Com isso, os mitos sobre Timbuktu reemergiram. Como explica Isabelle Surun, “a renovação do interesse europeu pela África no fim do século XVIII contribuiu para instituir Timbuktu como lugar de cristalização das representações europeias a respeito da África”.153
A Société de Géographie, fundada em Paris em 1821, propôs em 1824 um prêmio para o primeiro europeu que chegasse a Timbuktu e retornasse trazendo informações sobre a cidade. Em 1826, o major Gordon Laing, a serviço da African Association e do governo britânico, partiu de Trípoli e alcançou Timbuktu após atravessar o Saara. Seu assassinato no percurso de volta e o desaparecimento de seus escritos acirraram ainda mais os mitos sobre a cidade e as disputas entre ingleses e franceses pela primazia de um relato europeu sobre o local. A presença de não muçulmanos em Timbuktu, uma cidade considerada sagrada, era perigosa e os cristãos eram vistos como espiões. O primeiro viajante do século XIX a adentrar a cidade e a retornar com vida à Europa foi René Caillié, em 1828, disfarçado como peregrino egípcio, pobre e estudioso do Islã.154 Caillié ficou apenas catorze dias na cidade, o suficiente para tomar suas notas e fazer jus ao prêmio da Société de Géographie.
O grande pesquisador alemão Heinrich Barth, 25 anos depois, lá passou alguns meses, recluso e temeroso da hostilidade dos habitantes:
A cidade foi interditada a Barth, desde o dia seguinte à sua chegada, por razões políticas: ao despertar, ele foi informado que o chefe fula do Macina havia decretado sua prisão domiciliar e lhe proibia a saída às ruas e qualquer contato com seus habitantes. […] Ele conheceu Timbuktu apenas do terraço de sua casa, durante os muitos meses de uma clausura quase completa.155
O geólogo austríaco Oskar Lenz esteve em Timbuktu em 1880, num contexto político diferente, quando as grades potências europeias disputavam a possessão de territórios na África e a França já iniciara sua expansão colonial para o interior do Oeste do continente. Um trecho de seu relato refere-se ao interesse com que os habitantes da cidade acompanhavam os eventos:
Em Timbuktu, as pessoas em geral são muito bem informadas a respeito de tudo o que ocorre na Europa. Eram conhecidos os resultados da última campanha turco-russa; falava-se ainda bastante da guerra franco-alemã, que havia sido acompanhada com interesse particular, pois teme-se sempre uma conquista francesa; o mesmo ocorria com a ferrovia transaariana, embora poucos tenham alguma ideia do que seja uma via férrea. As relações constantes de Timbuktu com os habitantes árabes das regiões mediterrâneas têm como resultado que ali se receba rapidamente, sem jornais e sem telégrafo, todas as notícias. Essas se propagam com extrema rapidez e se conhecia em Timbuktu meu plano de lá chegar pelo Marrocos antes que eu tivesse atravessado a cordilheira do Atlas. As emigrações frequentes e as numerosas viagens dos árabes fazem com que as novidades se espalhem depressa; em qualquer lugar onde dois homens se encontrem, eles trocam as informações mais recentes e mais importantes, que são assim transmitidas cada vez mais longe.156
O grupo de Chebboun
O escritório do comandante, visível nas quatro imagens acima, não deixa dúvidas de que as pessoas que vemos nesse conjunto de fotografias são membros do grupo tuaregue Tengeregif, lideradas pelo amenokal (chefe superior) Chebbun.
Em meados do século XVII, os Tengeregif, fração dos tuaregues Tademekket, migraram do maciço montanhoso do Adagh, no Saara, em direção Sul, vindo a se estabelecer perto do rio Níger, nos arredores de Timbuktu. Foram os Tengeregif que resistiram à tomada da cidade pelos franceses, impondo-lhes na batalha de Takoubao, como veremos, a maior derrota militar sofrida em toda a conquista do Sudão.157
A ocupação de Timbuktu, em 1893, foi um episódio marcado por controvérsias entre os militares franceses servidores na África e o governo metropolitano, que não via a ação como prioritária num momento em que a guerra contra Samori Ture ainda estava em curso.158 Os membros da infantaria da marinha colonial disputavam a primazia da chegada à Cidade Santa. Enquanto Bonnier preparava a expedição, o capitão Boiteux, que comandava a flotilha do Níger, partiu de Ségou também em direção a Timbuktu. Em nome da França, Boiteux negociou por uma semana com os notáveis de Timbuktu a submissão da cidade e lá entrou, em 12 de dezembro de 1893, sem disparar um único tiro.159
Os tuaregues Tengeregif, entretanto, que controlavam os arredores e não aceitaram a rendição, atacaram os outros membros da expedição que se encontravam em Kabara, e mataram o subtenente Aube e dezenove barqueiros africanos.160 Atrasadas em relação ao ousado Boiteux, seguiam para Timbuktu duas colunas militares organizadas pelo coronel Bonnier. A primeira, dirigida pelo próprio Bonnier numa frota que contava com trezentas pirogas, descia o Níger. Outra, sob o comando de Joffre, prosseguia por terra, pela margem esquerda do rio.161 O coronel Bonnier, o primeiro a chegar ao destino, decidiu partir em seguida numa missão nos entornos de Timbuktu para revidar o ataque dos Tengeregif ao grupo de Boiteux. Sem os cavalos que costumavam usar, que acompanhavam a segunda coluna, e desconhecendo o território, a ação da trupe de Bonnier, montada em jumentos, consistiu em pilhar aldeias tuaregues. Milhares de ovinos e caprinos, além de uma centena de bovinos confiscados, marchavam com o grupo. Mulheres tuaregues foram raptadas e levadas como reféns.162 Na terceira noite da expedição, antes da aurora, o acampamento das tropas coloniais foi surpreendido pelos Tengeregif. No ataque morreram 92 pessoas, entre elas o coronel Bonnier e onze outros oficiais franceses.163
O combate de Takoubao, em que militares fortemente equipados com armas de fogo foram dizimados por guerreiros portando apenas lanças e espadas, foi liderado por Chebbun, que à época ainda não era o amenokal, embora já se destacasse como estrategista. Os animais pilhados durante o percurso, que se encontravam no acampamento de Bonnier, foram incitados pelos tuaregues, pisotearam os soldados que ainda dormiam enquanto os cavaleiros arremetiam. A habilidade dos tuaregues impressionou os franceses. Comentando o massacre, o tenente Frèrejean escreveu: “Com suas armas brancas, eles se aproximaram em silêncio e agiram com coesão, atacando com um ímpeto que, em qualquer lugar do mundo, teria honrado uma tropa de elite”.164 Em 1942, quase cinquenta anos após o episódio, Jean Gabus ouviu o relato do próprio Chebbun:
Atraí os soldados para fora da cidade usando rebanhos que os induziam a ir cada vez mais longe. À noite, eles acreditavam estar protegidos e postaram muitas sentinelas. Mas, enquanto isso, agrupei meus guerreiros e chamei meus pastores. E, na ‘aurora das pombas’ [o amanhecer], ordenei que chamassem os bois. Assobios inocentes irromperam assim das dunas e dos arbustos. O que estava acontecendo? Os guinchos de algum roedor atacado por um chacal ou raposa? Mas os touros de chifres pontiagudos reconheceram as vozes de seus pastores e arremeteram com a cabeça abaixada através do acampamento, derrubando as tendas, semeando o terror e o pânico. Então a batalha começou […], lanças e espadas contra fuzis. E não sobraram mais fuzis!165
Chebbun, a quem foi atribuída a morte de Bonnier, foi gravemente ferido no ombro durante os embates. Seu afastamento para convalescência fez com que não estivesse presente na luta contra a revanche francesa, liderada pelo comandante Joffre meses depois, quando pereceram os melhores guerreiros de seu grupo, entre eles o amenokal Mohammed ag Awwab. Jacques Hureiki escreveu sobre o afastamento de Chebbun, baseando-se no relato de um descendente de ag Awwab:
Chebbun foi o único ferido, atingido na omoplata por uma baioneta. Dizem que foi ele quem matou o coronel Bonnier, chefe dos franceses. […] Chebbun ausentou-se para tratar de sua lesão com uma curandeira, Zeynabu Walet Mahdy, da tribo dos Dag Habda, que faz parte dos Kel Intessar. Alguns guerreiros o acompanharam166.
Em abril de 1894, Chebbun foi eleito para substituir Awwab na chefia dos Tengeregif, que, em setembro do mesmo ano, se submeteram formalmente à administração colonial.167 Os termos do tratado assinado entre o governador do Sudão, Trentinian, e Chebbun, em março de 1896, era bastante favorável a este último e estabelecia “as condições nas quais o amenokal dos Tengeregif exercerá sua autoridade sob a proteção da França”. Os franceses, que enfrentavam a resistência de outros grupos tuaregues e mouros, esperavam a colaboração de Chebbun. Em 1901 e 1903, outras decisões ainda favoreceram o amenokal.
Os cartões-postais acima mostram o séquito de Chebboun à frente do escritório do comandante da região. Foram possivelmente registradas durante o período em que eram renegociados os termos dos acordos entre a administração francesa e o amenokal.
Além do texto de uma das legendas, que nos permite identificar o grupo do amenokal, esse conjunto de cartões-postais traz informações interessantes sobre os tuaregues. Vários deles montam cavalos ou camelos, o que indica que fazem parte da aristocracia guerreira (imajeghen). À esquerda vemos outros homens, provavelmente servos ou tributários dos anteriores, que formam uma infantaria de lanceiros.
Em seu já clássico estudo Les Touaregs Kel Adagh Pierre Boilley explica:
O nobre, que manejava as armas e impunha autoridade, era também aquele que defendia das agressões exteriores e que com isso auferia a maior parte de sua legitimidade. […] Isso permitiu a ‘estruturação de um território político’, no qual as relações de dominação, mas também a necessidade alimentícia de um pastoralismo mais modesto de caprinos e ovinos, engendraram classes tributárias não armadas, protegidas por classes nobres, que nomadizavam em áreas de transumância menos vastas.168
Foi provavelmente um grupo semelhante ao que vemos nas figuras acima que infligiu a derrota aos franceses em Takoubao, defendendo seus tributários que haviam sido pilhados pelos franceses. Como os Tengeregif viviam em regiões não muito áridas, o uso do cavalo era possível. Numa das figuras vemos à frente do cavaleiro um homem em pé que segura um fuzil e uma lança. A tiracolo ele carrega um recipiente feito com um chifre e que contém pólvora. À sua direita, um outro membro do grupo apoia um pé no joelho oposto, num gesto muito comum entre os povos pastores. Apenas um homem usa uma sandália, os demais estão descalços. Sobre seus trajes e armas à época da chegada dos franceses em Timbuktu, lemos:
Os tuaregues vestem-se geralmente com tecidos azuis, portam uma túnica ampla […], calças compridas e largas ao estilo dos antigos gauleses, às vezes espessas sandálias de couro de camelo. A marca distintiva de sua indumentária é o véu (litham) com o qual escondem o rosto até os olhos. Uma parte cobre a cabeça […] e pende para a frente como um tipo de viseira. […] O véu, verdade seja dita, é salutar e preserva os olhos da ação muito intensa do sol, e a boca, do pó e da areia. Mas o tuaregue considera o porte do véu sobretudo como uma questão de decoro e dignidade.
As armas dos tuaregues são a lança de ferro que mede de 2,5 a três metros de altura por quatro centímetros de circunferência. Essa arma é temível e, como os arpões, é guarnecida de entalhes denticulados que, no mais das vezes, tornam as feridas mortais.
As lanças de arremesso ou zagaias são de madeira, com a ponta e a extremidade inferior de ferro plano. Eles portam sempre consigo duas ou três, que lançam com uma pontaria surpreendente usando uma pequena dedeira, a grande espada reta com a empunhadura em formato de cruz, e o punhal, que nunca abandonam, fixo ao antebraço esquerdo por uma faixa de couro. As armas de fogo são demasiado raras entre os tuaregues, enquanto que os mouros, ao contrário, possuem muitas.169
O véu facial usado pelos membros do grupo, típico dos guerreiros, diferentemente do turbante, deixa à mostra os cabelos no alto da cabeça dos homens. À esquerda na segunda fotografia está um homem que porta muitos amuletos pendurados ao peito. Atrás dele podemos notar duas espadas com seus punhos em forma de cruz.170
Nos dois últimos cartões-postais vemos os belos agher, escudos de couro claro de antílope esticado numa estrutura de ferro, o instrumento defensivo usado pelos líderes do grupo. Os escudos tuaregues são decorados com incisões e aplicações de couro tingido de verde, completados às vezes por pedaços de tecido vermelho.171 Os homens fotografados também portam amuletos e um deles está descalço. Na última imagem, montados em camelos, guerreiros levam lanceiros na garupa. Um deles parece ser ainda uma criança e era provavelmente um escravo.
Identidades
Ao conceber as legendas dos cartões-postais que editava, Fortier acompanhava a tendência do governo colonialista e intelectuais europeus que trabalhavam para identificar, classificar e hierarquizar as pessoas que viviam nos territórios ocupados, caracterizando-as por um pertencimento “étnico”. Em cada uma das figuras acima vemos, lado a lado, dois homens: um chamado de “mouro”, ou seja, de ascendência árabe; o outro, de targui, singular de tuaregue, um grupo berbere. O exotismo dos dados das legendas, apreciado pelo público, era confirmado pelas visíveis diferenças no jeito de vestir dos fotografados. O imaginário metropolitano já estava acostumado com a associação do termo “tuaregue” a homens velados e, assim, Fortier não precisava explicar quem era um e outro. Esse desejo classificatório deixava de lado informações importantes, que podemos notar observando com mais cuidado esses cartões-postais. Na imagem da esquerda dois homens seguram lanças. É possível que ambos pertencessem a um mesmo grupo de guerreiros, como o liderado por Chebbun. Ao identificá-los por meio uma suposta diferença “étnica”, Fortier deixa de mencionar o que os assemelha: no caso, um papel social análogo. O mesmo ocorre com a outra figura: se vemos ali um mouro e um targui, as contas de rezar, penduradas no pescoço ou seguradas na mão, são um elemento importante que nos faz pensar que estamos diante do retrato de dois dedicados muçulmanos.
A figura acima e a respectiva legenda também nos fazem refletir a respeito daquilo que subjaz às classificações. A cobertura de tenda fabricada com peles de ovinos ou caprinos costuradas era usada por muitos grupos que viviam de forma nômade nas zonas desérticas. Além de uma identidade moura ou tuaregue, podemos ver nessa imagem sete pessoas que provavelmente viviam juntas: à esquerda está um homem velado; outro, mais velho, está sentado entre duas mulheres, e uma delas segura nas mãos um círculo feito de palha, o início da confecção de algum utilitário. Em pé, outra carrega uma criança e tem nos lábios a longa haste de um cachimbo (taba-kousou).172 A seu lado, uma menina de pele mais escura e vestida com um pano de algodão não tingido é possivelmente uma escrava doméstica a serviço da família.173
O comércio do sal
O sal-gema, como já foi mencionado, era artigo essencial das trocas de longa distância na África, e Timbuktu era um entreposto importante entre o deserto e o rio Níger. Em 1906, o sal-gema que vinha de Taoudeni era trocado por cereal, necessário para alimentar a cidade, que consumia cerca de cinco toneladas de grãos diariamente. Milhete, arroz, nozes-de-cola e outros produtos, inclusive artigos europeus, chegavam a Timbuktu pelo rio Níger.174
Os azalay – como eram chamadas as grandes caravanas de camelos que partiam para Timbuktu, carregadas de placas de sal, vindas das minas de Taoudeni – percorriam o trajeto em duas épocas específicas do ano, abril e outubro, retornando dois meses depois.175 O momento da chegada dos azalay era um evento muito importante e a população da cidade, que no início do século XX era de cerca de 5 mil pessoas, até mesmo dobrava nesses períodos. Lucien Marc-Schrader escreveu, em 1912, sobre o valor do sal-gema extraído em Taoudeni:
As minas de Taoudeni parecem inesgotáveis. Elas fornecem atualmente três mil toneladas por ano e poderiam prover muito mais. O sal encontra-se a cerca de quatro metros de profundidade, sob uma camada de argila. É extraído em placas com quatro centímetros de espessura, medindo cerca de 1,10 metros por trinta centímetros e pesando em média trinta quilos. São essas placas que, chamadas ‘barras de sal’, constituem a moeda de troca entre Taoudeni e Timbuktu.176
Ann MacDougall comentou sobre os sais de rocha extraídos no deserto do Saara:
O que têm em comum, e que os tornava tão valiosos, é que podiam ser talhados num tamanho uniforme e carregados por longas distâncias por meio de todo tipo de transporte; eram resistentes às rachaduras e impérvios à umidade e podiam ser consumidos tanto por pessoas como por animais.177
Muitos habitantes de Timbuktu participavam das transações com o sal. A especificidade das relações de troca, em que atuavam não apenas os grandes atacadistas como também pequenos comerciantes, se devia ao papel preponderante que o transporte da mercadoria entre as minas e a cidade ocupava no conjunto das atividades envolvidas na produção e comércio do sal. Percorrer o deserto durante vinte dias exigia um conhecimento específico, que só os povos nômades possuíam. “Saber exatamente o local dos poços e a distância que os separa é o âmago da ciência dos nômades”, nos explica Marc-Schrader.178
Os trabalhadores das minas de Taoudeni dependiam da chegada das caravanas para sobreviver. Tudo o que lá era consumido vinha de Timbuktu. As caravanas, contratadas por grandes comerciantes muitos deles de origem marroquina, saíam de Timbuktu carregadas de produtos alimentícios e outros gêneros que eram trocados em Taoudeni por barras de sal. Essas constituíam a carga do trajeto de volta. O custo do transporte de cada barra de sal até Timbuktu equivalia a cinco vezes o preço das mesmas em Taoudeni e era pago com essa mercadoria. Assim, de cada seis barras transportadas, uma pertencia ao comprador e cinco ao transportador. Os riscos significativos implicados no trânsito pelo deserto justificavam o valor cobrado pelos caravaneiros.179 Os atacadistas lucravam exportando o sal para as regiões ao sul e importando cereais, mas uma grande quantidade de barras, recebidas pelos caravaneiros em pagamento pelo transporte, circulavam num mercado paralelo, permitindo um ganho para muitos habitantes de Timbuktu.
Marc-Schrader escreveu sobre a dinâmica da economia do azalay e as transações envolvendo os caravaneiros, muitos deles do grupo mouro berabiche, e os moradores de Timbuktu:
A parte considerável que os berabiches auferem nos dois azalay, embora permitindo que os mercadores marroquinos façam importantes negócios, impede que esses sejam os únicos a lucrar. E são os habitantes de Timbuktu que se beneficiam dessa prática. Os nômades berabiches, que não tem o mínimo tino comercial, trazem para a praça de Timbuktu o sal que arrecadaram como preço do transporte, e é aos habitantes da cidade que eles recorrem para trocar esse sal por grãos e tecidos. Na época do azalay, é comum que as famílias de Timbuktu recebam um ou mais hóspedes nômades, que recebem ajuda na venda do sal e na compra de mercadorias. É evidente que essa hospitalidade e esse intermédio são pagos. E desse modo, naturalmente, o lucro – que representa a elevação do preço de uma barra de sal que não vale nem mesmo um franco na mina de Taoudeni e cujo preço varia de doze a quinze francos no mercado de Timbuktu – encontra-se repartido entre tantos intermediários, que toda a cidade e toda a população nômade de seus entornos vivem desse único comércio. Em Timbuktu, todas as pessoas negociam o sal. Os cádis e os imãs, os chefes da cidade e dos bairros, os notáveis e os letrados, durante a época do azalay tornam-se hospedeiros e agenciadores.180
Nos cartões-postais de Fortier podemos observar diversos aspectos relacionados ao comércio do sal em Timbuktu. Na figura acima vemos ao fundo a planície arenosa, coberta com tufos de vegetação, que se estende ao norte da cidade. Ao centro há um acampamento de mouros. Esse grupo, que se dedicava ao transporte do sal, vivia nos entornos de Timbuktu em tendas construídas com palha e couro. Podemos ver na imagem as unidades familiares separadas por cercas. Na parte de baixo da fotografia, uma tropa de jumentos se dirige para o local aonde chegavam as caravanas de camelos. Como explica Haywood, os caravaneiros evitavam levar os camelos até as margens do rio Níger:
Os camelos são em geral propriedade de árabes, seja da tribo kunta, que habita próximo a Timbuktu, ou dos berabiches, nômades mais a norte no deserto. Os melhores espécimes pertencem aos últimos, possivelmente porque vivem longe do rio, e as águas do Níger não são boas para esses animais. Além disso, camelos que permanecem perto do rio naturalmente se habituam a beber com mais frequência que os outros, e dessa maneira perdem muito da sua capacidade de sobreviver vários dias sem água.181
As placas de sal eram depois levadas por jumentos até o rio Níger, onde eram transferidas para embarcações que as transportavam para as regiões ao sul. É possível que, para conseguir fotografar essa cena do alto, Fortier tenha subido nas muradas do forte Hugueny, que ficava no norte da cidade.
Na figura acima vemos, em movimento, uma caravana que transporta placas de sal. No quadro estão dez camelos e sete homens. Embora centenas de camelos participassem sazonalmente do azalay, a difícil travessia de Taoudeni a Timbuktu era feita em pequenos grupos, já que a água no percurso era escassa. Édouard Guillaumet comenta:
As caravanas, das quais as mais importantes chegam em junho ou julho, são compostas por duzentos a quatrocentos camelos. A raridade e sobretudo a pequena capacidade dos poços obrigam-nas a se fracionar em grupos de dez a vinte camelos, que viajam separados por pelo menos 24 horas uns dos outros.182
Na figura acima os camelos, ainda carregados, estão parados. Podemos observar com mais detalhes as placas de sal e a maneira como eram amarradas para o transporte. Nos dois últimos registros da sequência o cenário é o mercado de Timbuktu. Como vimos na explicação de Lucien Marc-Schrader transcrita acima, era lá que as barras de sal recebidas pelos cameleiros em pagamento pelo transporte eram comercializadas com a ajuda de intermediários.
Dupuis-Yacouba e a vida cotidiana em Timbuktu
Não eram apenas os militares franceses que almejavam conquistar Timbuktu. A Société des Missionnaires d’Afrique, uma ordem mais conhecida pelo nome de Pères Blancs,fundada na Argélia em 1868 pelo cardeal Lavigerie com o objetivo de combater a expansão do Islã e a escravidão na África, também sonhava se estabelecer na cidade.
Em maio de 1895, logo após a implantação da administração francesa, dois pères blancs chegaram a Timbuktu vindos de Dakar. Eram eles o monsenhor Hacquard e o missionário Auguste Dupuis, responsáveis pela construção da igreja de Notre Dame de Tombouctou, que vemos na figura acima. Owen White escreveu sobre a relação dos dois religiosos com a população da cidade, que respeitava sua formação intelectual:
(Dupuis) e Hacquard parecem ter sido aceitos rapidamente pelos habitantes. É certo que tiveram um grau de acesso à sociedade local que não era extensível aos membros do exército colonial aquartelados nos dois fortes de Timbuktu. […] Logo após sua chegada, eles sustentaram debates sobre os Livros Sagrados, em árabe clássico, com os notáveis do lugar, como o amir (chefe) e o qadi (juiz). Logo perceberam que apesar do declínio econômico da cidade, a tradição do saber estava bastante intacta. […] Hacquard e Dupuis se esforçaram para realizar o projeto do cardeal Lavigerie, que previa que os missionários se adaptassem às condições e práticas locais, e ambos se dedicaram a aprender os idiomas falados pela população heterogênea da cidade.183
Como sinal de amizade, os pères blancs foram apelidados com nomes locais pelos habitantes de Timbuktu: Hacquard ficou conhecido como Abdallah e Dupuis se tornou Yacouba.184 Hacquard deixou Timbuktu em 1896 e em 1898 Dupuis assumiu a chefia da missão na cidade.185 Paulatinamente, Dupuis afastou-se dos trabalhos da Igreja e passou a participar em atividades de pesquisa na região. Em 1903, ele integrou, na categoria de intérprete, uma das missões arqueológicas conduzidas pelo lieutenant Desplagnes. Sobre o convívio com Dupuis, Desplagnes escreveu:
Yacuba recolheu, na forma particular da língua local, um grande número de lendas, contos e fábulas. São esses os poemas que se narra, longe das aldeias, nos serões à volta das fogueiras dos acampamentos ou que, nas reuniões dos habitantes de Timbuktu, o anfitrião generoso oferece a seus convidados, junto com a infusão perfumada de menta, declamados pelo ‘trovador’ mais famoso da cidade, que acompanha sua melopeia com o som agudo da guitarra tuaregue.186
O entrosamento de Dupuis com a população local, apreciado no início pelos Pères Blancs, passou a ser criticado por outros missionários quando seu envolvimento com Salama Bouba, uma mulher songhai que vivia em Kabara, tornou-se público. Em junho de 1904 ele renunciou ao cargo religioso e anunciou a seus superiores que ficaria morando em Timbuktu.187 O ex-padre, que assumiu a identidade de Dupuis-Yacouba, foi imediatamente contratado pela administração francesa como intérprete e “adjunto-principal dos assuntos nativos”.188 A missão dos Pères Blancs, entretanto, não sobreviveu por muito tempo: no final de 1906 a igreja ruiu.189 A fotografia de Fortier talvez seja o último registro do edifício.
Segundo Owen White:
Dupuis-Yacuba parece ter considerado seu ofício essencialmente como o de um mensageiro cultural, ou como uma ponte entre civilizações. […] Suas funções posicionavam-no de maneira invariável no papel de mediador. Ele atuava como intermediário em processos penais, traduzia e transcrevia cartas nas tratativas entre os notáveis locais e os franceses.190
Era Dupuis-Yacouba quem “explicava” Timbuktu para os visitantes europeus de passagem. Os viajantes britânicos Henry Savage Landor e Austin Haywood mencionam os passeios pela cidade em sua companhia e as explicações que lhes eram dadas para as peculiaridades do local.191 Dupuis-Yacouba publicou diversos estudos sobre Timbuktu e seus habitantes. Suas descrições da cidade nos ajudam a entender melhor algumas imagens de Fortier.
Três moças estão dispostas em fila, de perfil, de modo a evidenciar seus penteados. Em muitas sociedades, a maneira de arranjar o cabelo informa sobre o status social e o estágio de vida das pessoas. Os textos de Dupuis-Yacouba acrescentam dados preciosos às informações visuais da fotografia de Fortier. Podemos notar que as moças eram pobres. A da direita tem escarificações na face, uma prática em regiões ao sul de onde provinham escravos. Todas portam roupas simples. Em sua obra sobre as profissões de Timbuktu, Dupuis-Yacouba trata das cabeleireiras da cidade. As descrições que faz dos penteados em uso e o significado de cada detalhe nos permitem concluir que a mulher ao centro era casada e tinha a condição de escrava. Diz o texto:
O korbo-tyirey, atributo das mulheres casadas, é um penteado composto de tranças com fibras de palmeiras, dispostas da seguinte maneira: uma trança à frente da cabeça, num semicírculo que vai de uma têmpora à outra; uma enrolada na nuca; uma sobre cada orelha, que se curva até as faces. Finalmente, no alto da cabeça, duas tranças: uma, semelhante ao yollo, pende sobre o ombro direito, a outra, o dyine-dyine, alça-se como um chifre rematado por um aro vermelho, o korbo-tyirey, que empresta o nome ao conjunto. As escravas não têm direito de usar essa última trança e seu penteado recebe então o nome de dyoto-kamba.192
A ausência da trança dyine-dyine no penteado da mulher indica, portanto, que ela tinha a condição de escrava. Sobre a atividade das cabeleireiras, Dupuis-Yacouba escreveu: “O penteado é um adorno bastante complicado, que demanda uma grande habilidade das cabeleireiras. Qualquer mulher pode se dedicar a esse ofício, que não é privilégio de uma raça ou de uma casta”.193
O cabelo da moça à esquerda corresponde a uma de suas descrições:
As jovens, antes do casamento, reúnem o cabelo no cimo da cabeça, da fronte à nuca, em três ou quatro tufos ou bolas: as laterais do crânio são raspadas. […] Esse penteado chama-se dyenne-dyenne por ser muito usual em Djenné.194
Quanto à moça à direita, as informações de Dupuis-Yacouba nos levam a saber que ela já podia se casar:
O yollo […] consiste em uma trança feita com fibras da palmeira-anã, fixada no alto da cabeça e que tomba ultrapassando a nuca. O yollo, ao qual agrega-se o dyine-dyine, é usado pelas jovens núbeis. O dyine-dyine, que empresta seu nome ao penteado, é simplesmente uma trança semelhante ao yollo, fixa igualmente no alto da cabeça, mas que vem curvar-se para a frente, à altura da fronte.195
Na figura acima seis mulheres, de idades variadas, estão envolvidas na cardagem e fiação de fibras de algodão. Há ao mesmo tempo uma naturalidade e uma rigidez que perpassa o gesto delas. A moça à esquerda olha para o fotógrafo, enquanto três outras figuras miram outro ponto, e duas baixam os olhos. É provável que Fortier tenha organizado a cena retratada, pois as três fiandeiras seguram os fios esticados. Os trajes e adereços dessas mulheres indicam que eram pessoas ricas. O colar da senhora à direita tem na extremidade uma peça de metal do tipo walata-idye, que era fabricada pelos joalheiros de Timbuktu em ouro e em prata.196 Dois pares de sapatos que vemos na parte inferior direita do cartão-postal parecem ser selbi-kallante, calçados femininos com solado rígido e espesso.197 No canto inferior esquerdo vemos uma cabaça com três rolos de algodão já fiado; no direito, uma dobadeira, instrumento utilizado para formar meadas de fios, que podem então ser tingidos.
Charles Monteil observou a respeito do trabalho das mulheres ricas com o algodão:
As esposas dos ricos passam longas horas triando o algodão mais alvo, mais fino e regular […]. A fiação é um motivo de grande competição entre as co-esposas, pois o fio, que é resultado de seu trabalho, serve para fabricar o tecido para as roupas de seu esposo comum.198
A legenda desse cartão-postal não indica onde foi fotografada a cena. Devido aos penteados, adereços e calçados das mulheres, podemos supor que se tratava de alguma localidade nos arredores de Timbuktu ou na própria cidade.
Dupuis-Yacouba não nos deixou descrições específicas dos arranjos de cabelos das mulheres tuaregues e mouras que viviam em Timbuktu. A esposa de um mercador que vemos na figura acima usa um penteado elaborado, ornado com pingentes. Pendurado na parte de trás da cabeça ela porta um adereço que repousa no ombro, composto de rodelas recortadas de conchas do gênero conus presas em faixas de couro. Esse tipo de adorno era usado no sul das cadeias montanhosas dos Atlas, no Marrocos.199 É possível, portanto, que o referido traitant da legenda do cartão-postal fosse um marroquino, como muitos dos grandes comerciantes que trabalhavam naquela época em Timbuktu.200
A mulher retratada na figura acima usa o penteado dyenne-dyenne e tem no antebraço uma pulseira de mármore de Hombori como as tmbém portadas pelos jovens dogon e caçadores mossi. Ela está separando as cascas e impurezas do cereal contido nas cabaças. Ao despejar lentamente os grãos de um recipiente para outro, os resíduos mais leves são levados pelo vento.
A legenda da figura acima é um exemplo da capacidade de concisão do editor Fortier. Ele nos fornece informações precisas usando poucas palavras. Dupuis-Yacouba dedicou o primeiro capítulo de sua obra Industries et Principales Professions des habitants de la région de Tombouctou às padeiras, mostrando a importância do trabalho dessas mulheres na vida cotidiana da cidade. O texto em que ele descreve com riqueza de detalhes a atividade dialoga com a imagem de Fortier:
Padeiras (Takula-koy) – O preparo de bolachas de trigo (takula) é a especialidade de mulheres de todas as classes sociais. O trigo, que vêm de regiões vizinhas (Ataram, Tyesu, Arhamgoy etc.), é triturado entre duas pedras de arenito, importadas dos arredores do lago Faguibine ou do lago Débo. […] A mistura da farinha com o fermento é feita à mão e a massa é dividida em pequenas porções de quinze a vinte centímetros de diâmetro, que são depois assadas ao forno. Os fornos são construídos e conservados comunitariamente pelas padeiras que deles fazem uso. Encontramos fornos desse tipo em várias ruas da cidade. Eles são aquecidos com lenha e, devido ao sistema de construção, a temperatura ideal é rapidamente atingida. O consumo das takula é considerável na cidade. São ingeridas com molho de carne guisada, com mel e manteiga etc.201
Vemos acima uma das lagoas dos entornos de Timbuktu e aguadeiros transportando odres à cabeça. Mais uma vez, Dupuis-Yacouba acrescenta informações às imagens de Fortier. Sobre as lagoas próximas à cidade, que se comunicavam com um lençol freático que ia até o rio Níger, ele diz: “Essas lagoas, cerca de uma dezena, são na verdade vastas crateras, escavadas na areia e alimentadas pela água de infiltração do Níger, cujo regime das cheias elas acompanham”. 202
Lemos também a respeito da origem dos aguadeiros:
Os aguadeiros são, em geral, gentes do leste, das cercanias de Bamba, e por isso são chamados de Bamba-idje, que todos os anos, durante a entressafra, quando as plantações não demandam seus cuidados, vêm vender aos habitantes de Timbuktu água contida em odres e ganham assim algum dinheiro. Esse servirá para comprar tecidos e fazer roupas. Eles voltam a seguir para suas aldeias e outros vêm substituí-los.203
E ainda sobre a maneira como eles vendiam a água: “Eles percorrem as ruas, com odres cheios à cabeça e gritando: ‘Tye fo hari!’ (Um pouco de água!)”.204
No primeiro cartão-postal vemos uma paisagem com vegetação abundante, distinta da aridez que circunda Timbuktu. São as margens de uma lagoa onde, embaixo, ao centro, mulheres estão recolhendo água com cabaças. Na parte superior direita, as cinco tamareiras de tamanhos diferentes, então pouco produtivas, seriam remanescentes das plantadas pelos marroquinos na época da conquista da cidade, em 1591. Marc-Schrader explica:
Devemos aos marroquinos algumas culturas desconhecidas em outras áreas do Sudão: a da tamareira, do trigo e de certos legumes. Em Timbuktu, não restam mais do que algumas tamareiras mirradas e pouco produtivas; em Bamba porém, às margens do Níger cerca de cem quilômetros a jusante, existe um belo palmeiral, cujas árvores são vigorosas e fornecem uma colheita abundante.205
Ao fundo podemos identificar as cabanas redondas, feitas de palha, onde morava a população mais pobre e ainda o minarete da mesquita de Djinguereber, situada no sul da cidade. Na segunda figura vemos a água no fundo da lagoa e um grande número de homens carregando odres à cabeça. Na terceira fotografia um aguadeiro sorridente posa numa das ruas. Podemos ver na imagem a arquitetura em adobe das casas e as portas e janelas de madeira, que caracterizavam as construções da cidade.206 Notamos também o aspecto das ruas. Como observou Marc-Schradeer, “as ruas de Timbuktu são muito limpas; essa cidade, que possuía fossas sanitárias séculos antes do que as capitais do sul da França, é perfeitamente atendida do ponto de vista da retirada dos dejetos domésticos e outros”.207
Por causa da semelhança dos dados fornecidos nas legendas de Fortier e os constantes dos trabalhos de Dupuis-Yacouba, é possível supor que os dois tenham se encontrado em Timbuktu. Afinal, eram poucos os europeus vivendo na cidade e, como vimos, os viajantes procuravam Dupuis-Yacouba em busca de informações.
Djenné et San
Como já foi mencionado, não sabemos qual foi o itinerário exato da viagem de Fortier pelo Sudão. Os cartões-postais editados na Collection Générale com numeração que vai de 257 a 467 mostram uma sequência de fotografias que tem como fio condutor um trajeto geográfico. Consideramos que é bastante provável que essa ordenação corresponda à rota percorrida por Fortier.208 De acordo com essa hipótese, ele teria navegado pelo Níger de Koulikoro até Timbuktu, afastando-se das proximidades do rio apenas em duas ocasiões: no percurso de ida, para tomar a estrada que partia de Mopti na direção sudeste e levava às falésias de Bandiagara; no retorno, também na altura de Mopti, para subir o rio Bani em direção à cidade de Djenné. Assim, ele só teria visitado essa cidade no final da viagem, já em seu caminho de volta para o Senegal.
Djenné
A cidade de Djenné estende-se sobre um terreno elevado, de maneira a garantir proteção durante as cheias sazonais do rio Bani. Esse rio é o principal afluente do Níger e contribui para formar o espaço geográfico inundado periodicamente conhecido como Delta Interior do rio Níger. A localidade situa-se num ponto central do delta, área propícia para a agricultura, a pesca e a criação de gado. Escavações arqueológicas revelaram que por volta do ano 200 a.C. já existiam núcleos urbanos na planície que circunda Djenné.209 Centro de saber islâmico desde o século XIII 210 a cidade é conhecida como a “irmã” de Timbuktu. Além da identidade religiosa, durante muitos séculos a economia das duas cidades foi interdependente: produtos alimentares e tecidos eram trocados por barras de sal. A mercadoria era transportada em imensas embarcações que trafegavam pelos rios e canais na época das cheias.
Podemos ter uma ideia da dimensão desse comércio no fim do século XIX graças às informações fornecidas por Louis Archinard, o coronel francês que conquistou Djenné em abril de 1893. Como indenização de guerra, foram exigidas à cidade 1 mil barras de sal, que valiam à época 35 mil francos.211 Além disso, o militar apossou-se de uma frota de embarcações que partiria para Timbuktu. Bernard Gardi escreveu:
A flotilha capturada em Djenné era composta de seis grandes pirogas que continham: 58 toneladas de arroz, diversas variedades de milhete, amendoim, cebolas secas, nozes-de-cola bem como vários produtos locais como manteiga de karité, mel, lã, algodão em flocos e fiado, índigo, tabaco, peças de cerâmica etc. Havia também tecidos ingleses e espanhóis, mas nem ouro nem marfim.212
As nozes-de-cola e os tecidos ingleses provavelmente chegavam a Djenné vindos do Sul, das regiões das florestas e da colônia britânica da Serra Leoa.
Com a implantação do governo colonial francês no Sudão, a cidade de Mopti, na confluência do rio Bani com o Níger, foi escolhida como local privilegiado no trânsito mercantil entre Timbuktu e Bamako. De Bamako, pela estrada de ferro que chegava até Kayes, se fazia a ligação com a colônia do Senegal, a mais antiga e importante da África Ocidental Francesa. Assim, no decorrer do século XX o prestígio de Djenné como entreposto comercial decaiu paulatinamente em favor de Mopti.
Duas obras importantes sobre a cidade, Djenné, il y a cent ans e Djenné, une ville millénaire au Mali,213 reproduzem e analisam os cartões-postais de Fortier. Talvez essa seja a sequência de imagens do fotógrafo mais estudada por pesquisadores. Bernard Gardi comenta a figura acima:
Esse lugar chama-se Sanuna; fica nas margens do rio Bani, cerca de cinco quilômetros a leste de Djenné. A partir do mês de março, quando o nível das águas atingia seu limite mínimo, é ali que funcionava, durante alguns meses, o porto da cidade.214
Uma edição posterior dessa imagem tem como legenda “Níger e Bani. Reparação das pirogas na vazante das águas”. A época da seca, que dificultava a navegação, era aproveitada para a reforma das embarcações, construídas com materiais perecíveis. À direita da fotografia vemos três homens que trabalham na confecção da cobertura de uma piroga.
A figura acima é talvez o último registro das ruínas da mesquita construída em Djenné, no século XIII, pelo sultão Koy Komboro. Essa informação nos é fornecida nos Tarikh es-Soudan (crônicas do Sudão) escritas em meados do século XVII por es-Sadi.215 O cronista exerceu por dez anos, entre 1627 e 1637, o cargo de imã da mesquita de Djenné, durante o período de cerca de dois séculos que durou o domínio marroquino sobre a cidade.216 Em 1819 Djenné foi conquistada por Seku Ahmadu, líder que pregava uma via religiosa islâmica estrita. O reformador, que estudara em Djenné, considerava que a mesquita estava conspurcada pelas atividades libertinas dos habitantes da cidade.217 Como a lei corânica proíbe que um crente destrua uma mesquita, Seku Ahmadu optou por abandonar o edifício e, ordenando a obstrução das vias de drenagem das águas pluviais, acelerou seu desabamento natural.218 Sob o patrocínio da administração francesa, em 15 de outubro de 1906 (cerca de quatro meses após a passagem de Fortier por Djenné) foram iniciadas as obras de construção da nova mesquita. As ruínas do antigo edifício foram aproveitadas na edificação.219 A mesquita de Djenné, que conserva até hoje sua estrutura em adobe, é um ícone do chamado “estilo sudanês” de arquitetura.220
O registro das fachadas das belas construções da cidade foi privilegiado por Fortier na sequência de fotografias dedicadas a Djenné que vemos nas figuras acima. Essas casas, de dois ou três andares, ficavam na parte leste da cidade, onde viviam os grandes comerciantes. A população mais pobre habitava a zona oeste, em moradias menores e menos elaboradas.221
A tecnologia da construção em adobe, desenvolvida no local desde a antiguidade, adquiriu ao longo da história de Djenné características peculiares de acordo com as preferências de seus habitantes. Geert Mommersteeg e Pierre Maas estudaram detalhadamente as casas que vemos nas figuras acima. Eles identificaram dois estilos principais de fachada: o “marroquino”, evidente na terceira imagem, e o “tucolor”, que aparece nas demais e que se distingue pela presença de uma cobertura saliente sobre a porta de entrada. A influência marroquina na arquitetura é decorrente do período que se iniciou com a queda do império Songhai, derrotado pelas tropas do sultão Ahmad al-Mansur em 1591. Embora os contatos entre as duas margens do deserto do Saara já existissem, nessa época intensificaram-se os laços culturais, religiosos e econômicos entre o Marrocos e as regiões sudanesas. Com a conquista, uma nova elite estabeleceu-se em Timbuktu, onde exerceu a dominação política até meados do século XVIII. Djenne foi chefiada pelo regime do pashalik (governo de paxás), o mesmo de Timbuktu, até 1670, quando foi incorporada ao reino de Ségou.222 A palavra “tucolor”, que define o estilo predominante nas fachadas que vemos nas imagens acima, remete aos conquistadores fulas, comandados por Umar Tall, que ocuparam a cidade em 1861. Esse seria portanto um tipo de construção mais recente.
Mommersteeg e Maas, em sua pesquisa sobre o desenho das plantas e a maneira de ocupação desses edifícios, referem-se a eles, qualquer que seja o estilo da fachada, como “casas monumentais com pátios interiores”. A presença do pátio interno e a ordenação dos cômodos definiriam, assim, mais do que a decoração exterior, as construções de Djenné. Essas casas eram habitadas por famílias da elite da cidade e também por seus servos. Dentro das mesmas havia uma estrita divisão dos espaços ocupados, que separava as pessoas de status social diferente. Ademais, algumas áreas eram reservadas aos homens e outras às mulheres, que viviam isoladas na parte posterior das moradias, em torno do pátio interno. Os autores informam:
Os homens e mulheres tinham nas casas seus próprios domínios. Essas áreas eram estritamente separadas mediante recursos arquitetônicos. O domínio masculino, que era chamado har hu (textualmente: ‘casa do homem’), encontrava-se tradicionalmente à frente da habitação, e os cômodos eram ligados verticalmente por uma escada. Uma porta e pequenas janelas abriam esse espaço ao ambiente urbano e à vida das ruas. Os recintos femininos eram completamente voltados para o pátio interior. Não comportavam aberturas para a rua e eram assim totalmente isolados. Os ambientes feminino e masculino se ligavam na entrada da casa, o sifa..223
Bernard Gardi identificou no cartão-postal acima o muro e o portão da sede da administração colonial em Djenné. Concluiu então que o panorama da cidade foi fotografado do alto desse edifício.224 Vemos na parte de baixo da imagem, ao centro, homens preparando o solo, provavelmente para plantar árvores. No meio da fotografia podemos perceber as ruínas da antiga mesquita de Djenné.
Não sabemos o local exato onde foi fotografada a cena que vemos na figura acima. As características da edificação, com colunas de ângulos retos e tijolos retangulares, permite deduzir que se tratava de algum prédio da administração colonial.225 Na época da viagem de Fortier, os barey de Djenné eram contratados pelos franceses para trabalhar nas construções locais e também em cidades vizinhas. Como explica Monteil:
Esses pedreiros nativos são excelentes construtores, não apenas em Djenné, mas em todos os lugares onde se recorra a seus serviços. […] são muito respeitados em todos os lados; são também frequentemente contratados para erguer edificações nas cidades vizinhas, seja para a administração francesa, seja para particulares.226
Os construtores de Djenné são artesãos especializados, organizados em corporações de ofício. Sobre essas associações, Mommersteeg e Maas comentam:
A organização dos pedreiros, ou barey-ton, tem uma estrutura de entendimentos cujas características são as seguintes: um chefe com as prerrogativas associadas à sua função, reuniões periódicas durante as quais são tomadas decisões a respeito das remunerações e repartição dos canteiros de obras, uma poupança coletiva que permite amparar os membros inativos e adquirir as prendas oferecidas por ocasião dos nascimentos e casamentos. Essas características permitem qualificar o barey-ton como ‘guilda’ ou ‘corporação de ofício’.227
Os barey não usam espátulas, desempenadeiras ou fio de prumo. A argila é pisoteada pelos aprendizes para adquirir a consistência ideal. Tradicionalmente os tijolos tinham a forma de cilindros e eram feitos manualmente, sem formas.228 Charles Monteil, que escreveu no início do século XX, observou: “[…] surpreendemo-nos com a elegância e a solidez dessas casas que, com meios tão simples, os construtores nativos sabem edificar”.229
Pequenos cemitérios existentes nas praças que ficavam na interseção dos diversos bairros de Djenné foram construídos sobre as ruínas de antigas mesquitas. Mommersteeg e Maas explicam:
As pequenas praças situadas no tecido urbano estabeleciam em muitos casos a fronteira entre os diversos bairros que, devido à implantação densa das moradias, não eram sempre separados uns dos outros de maneira perceptível. […] Umas tantas praças eram ocupadas por cemitérios. Alguns encontravam-se sobre ruínas de pequenas mesquitas que haviam sido construídas em diversos locais após cismas entre letrados corânicos, e que tinham sido interditadas durante a primeira metade do século XIX por ordem do reformador islâmico Seku Ahmadu. Em 1868, depois de uma epidemia de cólera, as ruínas dessas mesquitas privativas foram transformadas em cemitérios.230
Na figura acima vemos à esquerda uma dessas sepulturas. À direita, uma criança e dois homens carregam sobre a cabeça cestos e redes de pesca.
As pescas coletivas ocorriam nos braços dos rios no fim do período da seca, encerrando a estação. Um trecho do livro Djenné, il y a cent ans comenta a cena que vemos no cartão-postal acima:
Os bozos pescam com uma rede em cada mão: uma serve para pescar e outra para acumular os peixes capturados. No final da temporada de pescaria, quando as águas dos córregos e do rio Bani ficam suficientemente baixas, ocorriam as grandes pescas coletivas. Durante esses eventos, de muita importância para os jovens, realizava-se a última pescaria do ano. Os peixes pequeninos eram colocados em cabaças que flutuavam na superfície das águas, enquanto as presas maiores eram afugentadas para as redes estendidas entre as margens.231
San e o rito do Sanké mon
A cidade de San situa-se a cerca de cem quilômetros a sudoeste de Djenné, na planície aluvial do rio Bani, no centro da região conhecida como Bendugu. É provável que Fortier tenha visitado San durante seu percurso entre Djenné e Bamako, no caminho de volta da viagem a Timbuktu. Os cartões-postais que examinaremos a seguir mostram cenas das festividades do Sanké mon, um rito de pesca coletiva na lagoa Sanké, localizada nas proximidades da cidade de San.
A pesca comunitária e as danças da população bwa, fotografadas por Fortier em 1906, são praticadas até hoje. O ritual do Sanké mon remete aos mitos de origem da cidade de San. Segundo esses a localidade foi fundada por volta do ano de 1.400 por um caçador de origem malinquê que, fortuitamente, descobriu nas redondezas o poço sagrado de Karentela e a lagoa Sanké. O achado afortunado foi compartilhado com a comunidade vizinha, onde viviam agricultores do grupo bwa. Essa aliança, baseada na solidariedade, é desde então comemorada anualmente. Toda a população das redondezas, independentemente de sua identidade étnica ou religiosa, participa do Sanké mon, prática que exalta a memória coletiva e fortalece a coesão social. Após a pesca comunitária, como forma de retribuição aos malinquê, músicos e bailarinos bwas vindos de cidades próximas se apresentam na praça de San.
Em 2009 o Sanké mon foi inscrito pela Unesco na lista de Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade, necessitando de proteção urgente. Segundo a organização, além do interesse histórico representado por sua perenidade, a importância do rito decorre dos valores ali celebrados: a fraternidade e a interdependência numa sociedade multicultural. O documento de candidatura oferecido pelo governo do Mali à Unesco menciona que o ritual do Sanké mon ocorre “na segunda quinta-feira do sétimo mês do ano lunar”. Essa informação refere-se ao calendário tradicional malinquê, em que o ano se inicia com a primeira lua nova após o solstício de inverno.232
As legendas das figuras acima não indicam o local onde a pesca coletiva feminina ocorria. Duas mencionam o Sudão e uma a Alta Guiné. Como se tratam de registros da mesma ocasião e, nos parece, o evento fotografado é a pesca ritual do Sanké mon, a menção à Alta Guiné deve ser considerada um equívoco de edição. Numa das imagens vemos as redes usadas pelas mulheres, presas numa estrutura circular feita com madeira flexível. Nas duas outras imagens, em que as pessoas estão imersas na lagoa, podemos notar algumas armadilhas de pesca de forma cônica, manejadas por homens.
Podemos reconhecer as mesmas pessoas nos seis cartões-postais acima. As legendas mencionam como localizações geográficas, alternativamente, as regiões de San e Djenné, o Bendugu e as margens do rio Bani .233 A informação visual, porém, é elucidativa: os adornos corporais dos dançarinos, confeccionados com cauris, são muito semelhantes aos usados até hoje pelos membros do grupo bwa durante as comemorações do Sanké mon.234
Nas últimas imagens a orquestra aparece com mais evidência: um dos músicos percute as 21 lâminas de madeira que fazem ecoar as cabaças de tamanhos variados de um imenso balafon, enquanto os demais batem tambores e sopram as trompas feitas com chifres.
Não acredito que Fortier pudesse ter programado com antecedência as datas de sua estadia em San. Uma viagem tão longa, por regiões geográficas muito distintas, certamente acarretava incertezas. A imprevisibilidade do encontro está subjacente em tudo o que foi registrado pelo fotógrafo durante o percurso. Para nós que, olhando essas imagens datadas de mais de cem anos, buscamos nelas fontes de estudo, o legado de Fortier surpreende e fascina. Ele nos deixou um corpus de documentos visuais que é um verdadeiro manancial de informações, pontilhado de preciosidades como, por exemplo, as fotografias do rito do Sanké mon em 1906.
NOTAS
122 Sobre o assunto ver GALLAIS, 1967.
123 DAGET, 1949, p. 7.
124 Ver CAILLIÉ, 1830, vol. II, p. 267.
125 DELAFOSSE, M., 1912, v. I, pp. 243-44. O autor baseia suas hipóteses nas “Légendes de Farang”, recolhidas por Dupuis-Yacouba e publicadas por Louis Desplagnes na obra Le Plateau Central Nigerien. Ver DESPLAGNES, L., op. cit., 1907, pp. 383-450.
126 LENFANT, 1905, p. 213.
127 HAYWOOD,1912, p. 192.
128 HAYWOOD, 1912, p. 193-194.
129 DAGET, 1949, p. 18-36.
130 Idem, p. 46.
131 HAYWOOD, 1912, p. 194-195.
132 Idem, ibid.
133 Ver CHAMPAUD, 1961, p. 30 e 33.
134 Ver DESPLAGNES, 1951, p. 1161.
135 Ver FAGNOLA, 2009, p. 18.
136 DESPLAGNES 1907, p. 57-58.
137 DUBOIS, Félix, Tombouctou, la Mystérieuse. Paris: Flammarion, 1897, pp. 219-20. Dubois cita, com ligeiras adaptações, um trecho da obra Kitāb al-Masālik wa’l-Mamālik (O livro dos itinerários e dos reinos), traduzido para o francês em 1859 pelo barão William Mac Guckin de Slane. Ver al-Bakrī, Abū ʿUbayd, Description de l’Afrique septentrionale. Paris: Impr. Impériale, 1859, p. 384-85. Embora Dubois mencione que al-Bakrī, escritor da Andaluzia que viveu no século XI, tenha visitado o Sudão, hoje aceita-se que ele provavelmente nunca tenha saído da península Ibérica e que tenha se baseado em relatos de outros autores para escrever seus trabalhos. Ver VERNET, Juan, “al-Bakrī, Abū ʿUbayd”, in GILLISPIE, Charles (Ed.), Dictionary of Scientific Biography, v. 1. Nova York, Charles Scribner’s Sons, 1970, pp. 413–14.
138 DESPLAGNES, L., 1951, p. 1172. Sobre as escavações em El Oualedji, ver, além das obras já citadas, LEBEUF, Annie e PÂQUES, Viviana, Archéologie Malienne, Collections Desplagnes. Paris: Musée de l’Homme, 1970.
139 As informações sobre a história da cidade se baseiam nas famosas crônicas de Timbuktu, principalmente o Tarikh es-Sudan e o Tarikh al-fettash, escritas no século XVII. Para a fundação de Timbuktu, ver as-Saʿdī, ʿAbd ar-Rahmān ibn ʿAbdullāh, Tarikh es-Soudan. Paris: Maisonneuve, 1981, traduzido do árabe por Octave Houdas, pp. 35 e segs. Sobre a necessidade de uma leitura crítica das crônicas, ver MORAES FARIAS, Paulo F., “Barth, fondateur d’une lecture reductrice des chroniques de Tombouctou”, in DIAWARA, Mamadou, MORAES FARIAS, Paulo F. e SPITTLER, Gerd (org.), Heinrich Barth et l’Afrique. Colônia: Rüdiger Köppe Verlag, 2006, pp. 215-23.
140 Ver HUNWICK e BOYE, 2008, p. 10.
141 Ver KANYA-FORSTNER, 1969, p. 43-44.
142Em 1904, com a reorganização do governo da África Ocidental Francesa, foi criado o Território Militar do Níger, composto pela junção dos anteriores primeiro e terceiro territórios militares. Assim, toda a área que ia de Timbuktu ao lago Chade ficou reunida numa mesma entidade administrativa. A capital do Território e também de sua região central era a cidade de Niamey. Timbuktu e Zinder eram as sedes das duas outras subdivisões. Cf. LÉOTARD, Jacques, “Territoire Militaire du Niger – Territoire Civil de la Mauritanie”, in Exposition Coloniale de Marseille, Les Colonies Françaises au début du XXe. Siècle. Marselha: Barlatier, 1906, p. 232.
143 Ver HAYWOOD, 1912, p. 230.
144 Ver Gouvernement général de l’Afrique occidentale française 1905, p. 39-40.
145 Ver DUPUIS-YACOUBA, 1921, p. 137-138.
146 Idem, p. 10-11. Sublinhado pelo autor.
147 Sobre o papel da elite intelectual islâmica em Timbuktu, ver SAAD, Elias, Social History of Timbuktu: the Role of Muslim Scholars and Notables. 1400-1900. Cambridge: Cambridge University Press, 2010.
148 Cf. HACQUARD, A.-P., 1900, pp. 2-4. Monsenhor Hacquard era então o superior dos missionários pères blancs na África Ocidental. Segundo Owen White, o verdadeiro autor do livro seria o então também missionário Auguste Dupuis: “O manuscrito de Dupuis pode ser consultado nos Arquivos dos Pères blancs em Roma, sob a classificação bibliotecária N8”. Cf. WHITE, Owen, “The Decivilizing Mission: Auguste Dupuis-Yacouba and French Timbuktu”, in French Historical Studies, v. 27, n. 3, 2004, p. 553, nota 64.
149 Ver MARTY, 1920, t. II, p. 60.
150 DUBOIS, 1897, p. 316.
151 Cf. MARTY, P., 1920, tomo II, p. 64. Para mais detalhes sobre a sociedade islâmica de Timbuktu e a história das mesquitas ver SAAD, E., 2010.
152 A respeito das intervenções nas mesquitas ao longo do tempo, ver DOUTREUWE, Françoise e SALVAING, Bernard, “À propos de l’évolution architecturale de la mosquée de Sankoré à Tombouctou”, in FAUVELLE-AYMAR, F.-X. E HIRSCH, B. (org.), Les ruses de l’historien. Paris: Karthala, 2013, pp. 357-88.
153 SURUN, 2006, p. 227.
154A famosa viagem de Sir Richard Burton a Meca, também disfarçado de muçulmano, ocorreu em 1853, muitos anos após a experiência solitária de René Caillié.
155 Ver SURUN, 2002, p. 131-144.
156 LENZ, 1887, t. II, p. 146, trad. Pierre Lehautcourt.
157 Ver KANYA_FORSTNER, 1969, p. 221.
158 Sobre a crítica da imprensa metropolitana à desobediência dos oficiais da marinha colonial no Sudão durante a ocupação de Timbuktu, ver o opúsculo escrito no calor da hora: HUBERT, Lucien e DELAFOSSE, Maurice, Tombouctou, son histoire, sa conquête. Paris: Guillaumin, 1894. Para uma defesa da atitude dos militares, ver SALMON, Les français a Tombouctou. Paris: Fayard, s.d. (1895?). Uma análise dos conflitos entre os dois campos (governo francês versus infantaria da marinha colonial), pode ser lida em KANYA-FORSTNER, 1969, pp. 217-23.
159 Cf. Gouvernement Général de L’Afrique Occidentale Française, Notice sur la région de Tombouctou. Saint-Louis: Imp. du Gouvernement, 1896, p. 18. Os detalhes da negociação entre Boiteux e os notáveis de Timbuktu podem ser lidos em PÉFONTAN, Lt., “Histoire de Tombouctou de sa fondation à l’occupation française”, in Bulletin du Comité d’études historiques et scientifiques de l’Afrique occidentale française, 1922, pp. 101-02. Para informações sobre a família Arma que chefiava Timbuktu na ocasião, ver HACQUARD, A-P., 1900, pp. 69-70.
160 Cf. telegrama de Grodet, governador do Sudão, reproduzido em HUBERT, L. e DELAFOSSE, M., 1894, p. 14.
161 Ver Gouvernement général de l’Afrique occidentale française 1896, p. 19.
162Cf. FRÈREJEAN, L., 1996 (1894), pp. 259-60: “Logo após entrar em Timbuktu, o tenente-coronel Bonnier partiu apressado para o Oeste. Ele estava impaciente para reaver seus cavalos e carroças que acompanhavam a coluna Joffre. […] Levava consigo a 5a. Companhia de Atiradores Sudaneses, um pelotão da 11a. e todo seu Estado Maior. Os oficiais iam montados em jumentos […]. Pouco a pouco, à medida que se afastava de Timbuktu, a coluna aumentava com o produto dos saques realizados diariamente. O cansaço do percurso aumentava com os desvios feitos para perseguir os rebanhos dos tuaregues. […] Perfizeram-se em dois dias cerca de sessenta quilômetros, sem contar as razias. De fato, os soldados africanos, acostumados a saquear, não se cansam enquanto pilham. E, desde Timbuktu, isso era a única coisa que se fazia. […] A quarenta quilômetros de Goundam, eles atacaram acampamentos de vassalos dos tuaregues, capturam mulheres e servos. Coisa grave esse sequestro de mulheres, tão respeitadas e consideradas pelos tuaregues”. Sobre a quantidade de animais confiscados e pessoas tomadas como reféns, a publicação oficial menciona: entre 2.100 e 2.300 ovinos e caprinos, cem bois e nove mulheres. Cf. Gouvernement Général de L’Afrique Occidentale Française, 1896, pp. 20-21.
163 Ver Gouvernement général de l’Afrique occidentale française 1896, p. 22.
164 Ver FRÈREJEAN, 1996, p. 264.
165 Ver GABUS, 1993, p. 35.
166 Ver HUREIKI, 2003, p. 132-133.
167Cf. MANGEOT, Col., e MARTY, Paul, “Les Touareg de la boucle du Niger”, in Bulletin du Comité d’études historiques et scientifiques de l’Afrique occidentale française, n. 1, 1918, p. 100: “Eleito chefe em abril pela assembleia dos notáveis, Chebbun ansiava apenas o recolhimento. Seu estado de saúde e a morte dos mais bravos guerreiros da tribo obrigaram-no a se confinar na margem direita do rio Níger, onde os franceses não pretendiam inquietá-lo. Para garantir ainda mais sua segurança, iniciou conversações com os europeus em julho; a 6 de setembro de 1894, submeteu-se oficialmente”.
168 Ver BOILLEY, 1999, p. 28.
169 Ver Gouvernement général de l’Afrique occidentale française 1896, p. 60-61.
170 Sobre as espadas, punhais e lanças tuaregues, ver GABUS, Jean, Au Sahara – Arts et Symboles. Neuchâtel: Ed. de la Baconnière, 1958, pp. 244-54.
171 Os escudos tuaregues foram estudados por Jean Gabus. Ver GABUS, 1958, pp. 233-37.
172 Cf. DUPUIS-YACOUBA, Auguste, “Notes sur Tombouctou”, in Revue d’Ethnographie et de Sociologie, 1914, pp. 258-59: “Todos os nativos, homens, mulheres e crianças, fazem uso do tabaco de diferentes maneiras: fumam-no em cachimbos, mascam-no e o aspiram”.
173Sobre a escravidão em Timbuktu ver KLEIN, M., 1998 (a), pp. 122-23, e KLEIN, Martin “Slavery and French Rule in the Sahara”, in MIERS, Suzanne e KLEIN, Martin (orgs.), Slavery and Colonial Rule in Africa, edição especial de Slavery and Abolition, v. 19, n. 2, ago. 1998 (b).
174 MARC-SCHRADER 1913, p. 429 e Marc-Schrader 1912, p. 386.
175 Cf. MARC-SCHRADER, 1912, p. 384 e 386. Félix Dubois escreveu sobre as caravanas: “Elas assomam principalmente em dezembro-janeiro e em julho-agosto. Pequenas caravanas de sessenta a cem camelos chegam todas as semanas, durante o ano todo.” Ver DUBOIS, 1897, p. 290.
176 Ver MARC-SCHRADER 1912, p. 384.
177 McDOUGAL 1990, p. 233.
178 MARC-SCHRADER, 1913, p. 410.
179 Cf. MARC-SCHRADER, 1912, pp. 384-85. “Em Taoudeni troca-se dois ou três quilos de arroz por trinta quilos de sal. Pode-se conseguir quatro ou cinco barras de sal por um quilo de açúcar; mas o preço do transporte até Timbuktu diminui o excedente do lucro assim realizado”.
180 Idem, p. 385.
181 Ver HAYWOOD 1912, p. 232.
182 Ver GUILLAUMET 1895, p. 94-95.
183 Ver WHITE, 2004, p. 544-545
184 Idem, p. 545.
185 Idem, p. 546.
186 DESPLAGNES 1907, p. 383-384.
187 Cf. WHITE, O., 2004, p. 550-51. Dupuis-Yacouba e Salama se casaram e tiveram vários filhos. Ficaram juntos até 1945, data do falecimento de Dupuis-Yacouba.
188 Idem, p. 552.
189Cf. LANDOR, Arnold H. S., Across Widest Africa: An Account of the Country and People of Eastern, Central and Western Africa as Seen during a Twelve Months’ Journey from Djibuti to Cape Verde, Londres, Hurst and Blackett, 1907, v. II, p. 405: “A Missão católica dos Pères Blancs, estabelecida em Timbuktu em 1895, também estava implantada na praça central. Uma igreja e uma torre foram construídas; porém, pouco antes de minha visita à torre, uma réplica do campanário de Veneza, ela desmoronou, e era um amontoado de cacos de barro quando a visitei”. Landor esteve em Timbuktu entre 10 e 29 de novembro de 1906. Os missionários decidiram abandonar a cidade em 1907. Cf. WHITE, O., 2004, p. 553.
190 Ver WHITE 2004, p. 556 et 553.
191 Ver LANDOR, 1907, p. 417 e seguintes, e HAYWOOD, 1912, p. 226 e seguintes.
192 DUPUIS-YACOUBA, 1921, p. 130.
193 Idem.
194 Idem, p. 130-132.
195 Idem, p. 130.
196Idem, p. 43. Ver também pp. 36-47 para informações a respeito dos joalheiros e da arte da joalheria em Timbuktu.
197 Idem, p. 66. Sobre os sapatos femininos, ver também MONTEIL, Charles, Monographie de Djénné, Tulle, Imp. Mazeyrie, 1903, p. 184: “[…] sandálias simples ou enfeitadas com seda e ornamentos, das quais algumas têm solados de vários centímetros de espessura e cujas laterais são tingidas de azul: são calçados para as mulheres”.
198 MONTEIL, 1927, p. 52-53.
199 Ver GOLDENBERG, 2000, p. 58.
200 Ver MARC-SCHRADER, 1912, p. 384.
201 DUPUIS-YACOUBA, 1921, p. 2.
202 Idem, p. 146.
203 DUPUIS-YACOUBA, 1914, p. 249.
204 DUPUIS-YACOUBA, 1921, p. 146.
205 Ver MARC-SCHRADER, 1913, p. 413.
206 Sobre o desenho das plantas das casas de Timbuktu e seus construtores, ver DUPUIS-YACOUBA, A., 1921, pp. 9-19 e 49-57.
207 MARC-SCHRADER, 1913, p. 431.
208 Os postais da Collection Générale Fortier são numerados. Há exceções na correspondência entre o trajeto geográfico e a numeração dos cartões-postais que, de certa maneira, confirmam a regra. A sequência da Collection Générale Fortier dedicada ao Sudão é: De Bamako a Mopti, descendo o rio Níger (ns. 257 a 328); Bandiagara e as falésias (ns. 329 a 347); do lago Débo a Timbuktu (ns. 348 a 392); margens do rio Níger (ns. 393 a 400); Djenné (401 a 415) e de Dio a Kayes (ns. 416 a 467).
209Sobre a ocupação humana do território próximo a Djenné ver McINTOSH, Roderick, Ancient Middle Niger. Urbanism and the Self-Organizing Landscape. Cambridge: Cambridge University Press, 2005.
210 A obra Tarikh es-Sudan data a fundação de Djenné no início do século XI (meados do segundo século da hégira) e a conversão de seus habitantes ao Islã no século XIII (final do sexto século da hégira). Ver as-Saʿdī, 1981, p. 23.
211 Ver GARDI, 1995, p. 18.
212 Idem.
213 GARDI, MAAS e MOMMERSTEEG, M 1995 e BEDAUX e WAALS, 1994.
214 Ver GARDI, MAAS e MOMMERSTEEG, 1995, p. 146.
215 Ver As-sa’dī 1981, p. 24.
216 Ver MARTY 1920, t. II, p. 235.
217 Ver DUBOIS 1897, p. 181.
218 Ver MOMMERSTEEG e MAAS, 1995, p. 32.
219 Idem.
220 Sobre o assunto ver MAAS e MOMMERSTEEG,1993, p. 478-492.
221 MOMMERSTEEG e MAAS, 1995, p. 29.
222 A respeito das relações entre os descendentes dos conquistadores marroquinos e a elite sudanesa ver ABITBOL, 1979 e SAAD, 2010.
223 Cf. MOMMERSTEEG e MAAS, 1995, p. 33. Sobre as moradias de Djenné, ver também VAN GIJN, A., “La maison: structure et organisation de l’espace”, in BEDAUX, R. e WAALS, J. van der, pp. 95-101.
224 Ver GARDI, MAAS e MOMMERSTEEG, 1995, p. 150.
225Embora as casas originais de Djenné também tivessem colunas nas fachadas, essas não eram retas nem terminavam em ângulos vivos.
226 Ver MONTEIL, 1903, p. 196.
227 Ver MOMMERSTEEG e MAAS, 1995, p. 36. Para um estudo do trabalho e da vida dos barey nos dias atuais, ver MARCHAND, Trevor H., The Masons of Djenné. Bloomington: Indiana University Press, 2009.
228 Ver GARDI, MAAS e MOMMERSTEEG, 1995, p. 70 e MOMMERSTEEG e MAAS, 1995, p. 35-36.
229 MONTEIL, 1903, p. 196.
230 Ver MOMMERSTEEG e MAAS, 1995, p. 30.
231 Ver GARDI, MAAS e MOMMERSTEEG, 1995, p. 58.
232 Ver o website unesco.org. Sobre o calendário malinquê, ver DELAFOSSE, Maurice, “L’année agricole et le calendrier des soudanais”, in L’Anthropologie, tomo XXXI, 1921, pp. 105-13 e LABOURET, Henri, “Les Manding et leur langue” in Bulletin du Comité d’études historiques et scientifiques de l’Afrique occidentale française, 1934, tomo XVII, n. 1, pp. 239-43.
233 Ambas as cidades encontram-se na planície conhecida localmente pelo nome de Bendougou e às margens do Bani, porém distam cerca de cem quilômetros uma da outra. A menção de Fortier à “região de Djenné” ao mostrar as festividades que ocorriam em San é imprecisa porém não podemos dizer que seja incorreta.
234 Foi a comparação entre o material imagético disponibilizado pelo website da Unesco e os cartões-postais de Fortier que me permitiram confirmar que as cenas retratadas pelo fotógrafo ocorreram em San.