Edmond Fortier (1862-1928) foi um fotógrafo excepcional, nascido na Alsácia e cidadão de Dakar, no Senegal, por opção. Foi lá, na extremidade ocidental do continente africano, que viveu a maior parte de sua vida. Sua imensa obra – mais de 3.500 imagens catalogadas retratando a África do Oeste – não havia sido até agora estudada de forma meticulosa. Neste livro, Daniela Moreau concentra-se num recorte notável da produção de Fortier: as imagens da viagem de mais de 5.000 quilômetros que o fotógrafo realizou pelo interior do continente africano no ano de 1906, numa época em que a imposição dos regimes coloniais era relativamente recente.
O ponto culminante do trajeto foi a cidade histórica de Timbuktu, porta do Saara, então considerada misteriosa e impenetrável pelos europeus. Fortier captou imagens preciosas da vida de pessoas comuns, de paisagens e manifestações culturais cujo registro ele foi o primeiro a fazer. Documentou o que logo em seguida desapareceria para sempre, como as ruínas da antiga mesquita de Djenné, e o que estava em seus momentos iniciais, como os modernos aspectos urbanos de Bamako e de Conakry. Editada na forma de cartões-postais, essa série de fotografias circulou pelo mundo durante as primeiras décadas do século XX. A construção do Outro africano como objeto visual dava então seus primeiros passos. Mais de cem anos após os eventos, 200 fotografias da viagem de Fortier estão aqui reunidas pela primeira vez. Resgatadas do esquecimento, organizadas e comentadas pela autora, elas nos aproximam da vida cotidiana na África do Oeste no período colonial.
Edmond Fortier (1862-1928) nasceu na Alsácia e ainda jovem radicou-se na então colônia francesa do Senegal, mais especificamente em Dakar, onde trabalhava como fotógrafo, editor e pequeno comerciante. Viajando pela África do Oeste, captou com suas lentes um mundo de grande riqueza cultural, que passava então por importantes transformações. Deixou uma obra de mais de quatro mil imagens, a maioria delas publicada no formato de cartão-postal. Fortier por duas vezes visitou a possessão francesa do Daomé, o atual Benim. Na primeira viagem, em 1908, integrou a comitiva do Ministro das Colônias, e na segunda, em 1909, a do governador-geral. Os documentos visuais produzidos nessas oportunidades, cuidadosamente aqui reunidos pela primeira vez, totalizam 210 imagens. O olhar atento do fotógrafo gravou inúmeras vertentes da vida social, política e cultural na África ao tempo da dominação francesa. Imagens do Daomé: Edmond Fortier e o colonialismo francês na terra dos voduns, de Daniela Moreau e Luis Nicolau Parés, reúne registros das cerimônias oficiais, protagonizadas por mandatários locais e estrangeiros, das cidades e da população. De todo o conjunto, destaca-se a série dedicada aos rituais voduns, uma das primeiras documentações fotográficas dessas práticas. A palavra vodum, em seu contexto original, designava os deuses das sociedades daquela região, ou “os mistérios das forças invisíveis”. Os panteões sagrados – do mar, do céu, da terra e do trovão, entre outras divindades –, com suas hierarquias e personagens, coreografias e adereços característicos, estão aqui detalhadamente identificados e analisados pelos autores. Para o leitor brasileiro, o interesse dessas imagens é direto. Do Golfo do Benim e, a partir do século XVIII, do antigo reino do Daomé partiram para o Brasil milhares de escravizados, cuja devoção original aos voduns serviu de modelo ao nosso candomblé. Edmond Fortier produziu um material de indiscutível valor histórico e etnográfico. Complexas e diversas, as práticas políticas, religiosas e culturais aqui documentadas abrem novas linhas de investigação sobre o Benim de ontem e de hoje, bem como sobre seus prolongamentos no Brasil.
Sobre os autores:
Daniela Moreau nasceu no Rio de Janeiro, em 1957. Sobre a obra de Edmond Fortier, publicou também Viagem a Timbuktu (Literart, 2015). Coordena o projeto Acervo África (acervoafrica.org.br), em São Paulo.
Nicolau Parés nasceu em Barcelona, em 1960. É autor de A formação do candomblé (editora da Unicamp, 2006) e O rei, o pai e a morte (Companhia das Letras, 2016). É professor do Departamento de Antropologia da Universidade Federal da Bahia.