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  • As Séries de Cartões Postais

    Como vimos, Edmond Fortier publicou milhares de cartões postais ao longo de sua carreira como fotógrafo. Ao primeiro olhar, a numeração de seus cartões parece não ter lógica, pois muitos números se repetem. Entretanto, quando organizamos sua produção da maneira como foi concebida por ele, ou seja, em séries, todo um sentido de ordenação se apresenta.

    Ele numerava os cartões postais em séries bem distintas umas das outras. Em geral, as séries têm imagens inéditas e outras emprestadas de sequências anteriores.

    Para determinar as diferentes séries editadas por Fortier é preciso observar a frente e o verso dos cartões postais, as datas de franqueamento (quando foram postados), a marca do fotógrafo no postal etc.

    Assim, para fazer uma organização cronológica, perceberemos que existem características identificáveis  tanto na temática das séries, como na materialidade dos postais (tipo de verso, por exemplo) de cada uma delas.

    Os regulamentos da União Postal Universal, válidos para todos os países, determinaram até 1904 que os versos dos cartões só poderiam conter o endereço do destinatário. Assim, toda a correspondência deveria constar da frente (recto), e é por esse motivo que muitas imagens dos postais do período anterior a essa data não ocupavam todo o espaço da frente, deixando áreas em branco que podiam ser usadas para conter a mensagem do remetente.

    A partir de 1904 o verso dos cartões é dividido em duas partes, a direita sendo usada para os dados do destinatário e a esquerda para a correspondência.

    Senegal – Saint-Louis – A estação ferroviária

    Uma nova série se inicia quando aparece um postal com o número 1 que é diferente do número 1 das séries anteriores. Cada nova série é impressa em suportes  diferentes. Por exemplo: na série FPh o verso não é dividido e na CGF I é dividido. Há a série com as legendas vermelhas e finalmente a dos versos verdes.

    Apresentaremos aqui algumas características de cada uma das 7 séries que identificamos  na obra de Edmond Fortier:

    1) Precursoras (c. 1900)

    São 4 pequenas séries editadas bem no início da carreira de Fortier, com poucos itens cada uma. As séries são as seguintes: sem assinatura, Photographe, FPh e Fortier Dakar. Elas foram assim nomeadas de acordo com a maneira que o fotógrafo assina no postal. A série Fortier Dakar, com apenas 24 clichês, foi a primeira com numeração e foi reproduzida na série FPh.

    A necessidade de numerar indica um desejo de organizar um material – suas  fotografias –, que já se mostraria vasto e valioso comercialmente. Tendo que lidar com um acervo fotográfico considerável, Fortier precisava ser bastante metódico para ter acesso a seus negativos de forma fácil.

    O processo de encomendar a impressão dos cartões-postais demandava cuidados que a numeração facilitava. A cada imagem correspondia, além do número, uma legenda diferente, que seria impressa por tipografia numa segunda passagem das pranchas pelo maquinário. Ademais, a vontade de otimizar o controle da documentação comercial – pedidos, faturas, pagamentos – e das provas, as solicitações de reimpressão e outros atos inerentes ao ofício do editor (e não mais do fotógrafo) deve ter sido o motivo do início do uso da numeração por Fortier.

    2) FPh (Fortier Photographe)

    É a primeira grande série, cuja edição ocorre entre 1902 e 1905. A série é numerada de 1 a 791. A maioria das imagens dos cartões postais mostra o Senegal, e algumas a Guiné. Do Senegal há imagens de Dakar, Gorée, Rufisque, Saint-Louis, Thiès, Tivaouane, Louga e do Sine Saloum. Há também retratos, muitos deles de moças com os seios nus. A vida nas aldeias serer foi registrada pelo fotógrafo. São imagens preciosas com grande quantidade de referências históricas. As legendas dessa série são muitas vezes repletas de informações. Isso demonstra uma capacidade de síntese – passar conteúdos num espaço exíguo – e ao mesmo tempo uma intenção de transmitir um “saber” que complementava a imagem. Redigir cada legenda, associá-las a cada imagem, arquivar essas informações de maneira organizada, tudo isso revela a capacidade editorial de Fortier.

    3) CGF I (Collection Générale Fortier)

    É a segunda grande série, e foi publicada entre 1905 e 1907. Foi pensada, ao que tudo indica, com sequências definidas desde o início até o final. O foco dessa série é a viagem de Conakry a Timbuktu que o fotógrafo fez em 1906. Parte da numeração dos cartões respeita o percurso geográfico do fotógrafo (ns. 145 a 480). Há nessa série CGF também uma subsérie, de numeração a partir do número 1000, dedicada ao que na época era chamado de Scènes et Types ou Cenas e Pessoas classificadas por seu pertencimento étnico (por exemplo: Type de femme bambara/exemplo de mulher do grupo étnico bambara). Os Types eram sempre mulheres sensuais. A nudez do dia a dia das africanas transformava-se, pelas mãos de Fortier, num erotismo que agradava os clientes europeus. Nas Scènes são mostradas as atividades das sociedades locais, como as festas e diversas profissões como por exemplo os pescadores, o trabalho com o algodão, a extração da manteiga do karité. A maioria dos registros dessa série é inédita. Todas as fotografias são em preto e branco, mas nas reedições dessa série há algumas coloridas, principalmente na sequência1001 a 1320.

    Constam da Collection Générale Fortier diversas reedições de imagens da série anterior (FPh) que recebem nova numeração. A reedição de imagens com número elegenda diferentes é uma prática constante na obra de Fortier e a causa de muitos problemas de interpretação e datação de seus clichês. De maneira geral percebemos que, ao conceber uma nova série, ele selecionava entre seus negativos mais antigos um certo número de imagens – as de maior sucesso comercial – que seriam reeditadas. Com raras exceções, clichês uma vez “preteridos” – aqueles que não passavam para a nova série – não voltavam a ser reeditados.

    Numeração CGF I:
    – 1 a 81 – Dakar –(reproduções da série FPh)
    – 82 a 91 – Gorée -(algumas sobreposições com Saint-Louis)
    – 88 a 144 -Saint-Louis
    – 485 a 526 -Interior do Senegal – (reproduções da série FPh).
    – 145 a 256 – Guiné– (fotografias inéditas)
    – 257 a 480 – Sudão– (fotografias inéditas)
    – 1001 a 1320 – Cenas e pessoas

    4) LEGENDAS VERMELHAS

    É a terceira grande série, com todas as imagens inéditas. Em 1908 e 1909 Fortier fez três viagens acompanhando comitivas oficiais que partiram de Dakar e visitaram outras colônias da África Ocidental Francesa. Na primeira dessas viagens, em janeiro de 1908,  Fortier acompanhou o Governador Geral Martial Henri Merlin à Guiné.  Em abril e maio de 1908  Fortier fez, na comitiva do ministro das Colônias, sua mais longa viagem, visitando a Guiné Conakry, a Costa do Marfim e a então colônia do Daomé, hoje República do Benim. Fortier acompanha essa viagem como “documentarista”. As fotografias publicadas nos cartões-postais, sempre com a legenda vermelha, não são difíceis de organizar devido a essa característica. Em 1909 ele volta ao Daomé acompanhando o Governador Geral Merlaud-Ponty.

    As subséries da série Legendas Vermelhas são as seguintes:

    – Sem numeração – 30 itens “comemorativos”, ou seja, com frases como boas festas, lembranças do Senegal, etc.
    – 1 a 73 – Inauguração do Monumento Ballay
    – 79 a 86 – Gorée
    – 527 a 974 – Thiès e Rufisque, vilas e paisagens da Guiné e Costa do Marfim.
    – 1322 a 1659 – Cenas e pessoas
    – 2000 a 2198 – Dakar 2000 I
    – 2501 a 2660 – Viagem com o Ministro à Costa da África em 1908
    – 3000 a 3069 – Viagem do Governador Geral ao Daomé em 1909

    5) Série CGF II– (c. 1909)

    Quarta grande série.  Logo a seguir à série Legendas Vermelhas Fortier começa uma nova série onde há uma maioria de fotografias inéditas. Dentre elas podemos mencionar como subséries uma dedicada a registrar um grupo de mouros, outra a cidade de Saint-Louis do Senegal e ainda uma a Casamança (região no sudoeste do Senegal entre a Gâmbia e a Guiné Bissau) além de Lagos, na atual Nigéria, onde o fotógrafo esteve após acompanhar a visita do Governador Geral ao Daomé em 1909. Há ainda uma subsérie que mostra o comércio do amendoim ao longo da estrada de ferro que ligava Dakar a Saint-Louis. A numeração das  subséries compõe  a série CGF II é:

    – 1 a 144 – Saint-Louis
    – 144 a 480 – Reproduções de GGF I
    – 480 a 558 – Casamança
    – 977 a 909 –Nigéria
    – 1000 a 1321 –Types
    – 1660 a 1713 – Mouros
    – 2000 a 2254 – Dakar 2000 II
    – 2000 a 2254 –Dakar 2000 III
    – 3070 a 3244 – Cayor (comércio do amendoim)

    Com o passar do tempo, a qualidade do papel utilizado como base para os cartões-postais de Fortier foi declinando. As legendas tornaram-se mais pobres e muitas informações se perderam. A essa altura os cartões postais não eram mais a febre do momento. Mais pessoas tinham acesso às máquinas fotográficas. Novas técnicas de impressão surgiram e baratearam o processo. A concorrência entre as gráficas aumentou e a qualidade decaiu.

    6) Série Paris (1913?)

    A série Paris caracteriza-se por ter os versos dos cartões postais na cor verde. Além disso, há também no verso a assinatura do “imprimeur”, no caso E. Le Deley, Paris. Nesse caso encontramos 2 números 1: um para uma subsérie colorida; e outro para uma subsérie em branco-e-preto dedicada a Dakar. As série Paris contém muitas reproduções de séries anteriores. Os temas e a numeração da série Paris são:

    – 1 a 120- Paisagens
    – 1 a 150 – Dakar (preto-e-branco, muitas inéditas)
    – 482 até 554 – Senegal, principalmente a Casamança
    – 1000 a 1325 – Pessoas (Ordenados de forma diferente do que nas séries anteriores. Todas as fotografias reproduções de CGF I, LV e CGF II).
    – 1496 até 1614 – Cenas
    – 2000 a 2252 + 2974 – Dakar

    7) Série VV

    O nome Verso Verde (VV) é autoexplicativo. Essa série diferencia-se da Paris.  É bem mais simples, organizada em apenas três subséries. Todos os clichês são reproduções de fotografias que já haviam aparecido em outras sequências. A série VV será reproduzida inúmeras vezes. É a que teve mais tiragens e ficou em circulação por maior tempo. As três subséries são:

    – 1 a 169 – Dakar
    – 201 a 620 –  Senegal, Guinée, Soudan, Côte d’Ivoire, Dahomey (Scènes).
    – 1000 a 1360 – Pessoas.

    Na última tiragem da série Verso Verde foram acrescentadas três novas fotografias de Dakar. Elas parecem anunciar os novos tempos que chegavam à cidade: duas retratam o novo prédio do Correio Central, em estilo Art déco. Sua construção provocara a demolição de muitos imóveis dos entornos, talvez até mesmo a da loja de Fortier. Um terceiro clichê mostra o Quartier du Gouvernement Général à vol d’avion. Fotografar do céu era uma das poucas coisas que faltavam na experiência profissional de Fortier. A oportunidade para fazê-lo deve ter surgido nos últimos meses de 1922, período em que uma equipe dirigida pelo Comandante de Martonne sobrevoou Dakar em três ocasiões para fazer um mapa topográfico da cidade3.

    Dakar – O bairro do Governo Geral visto do céu
    Dakar – O correio

    Essa última série, que circulou pelo menos até a Exposição Colonial de 1931 em Paris, foi editada aos milhares de exemplares e é da qual provêm a maioria dos cartões postais de Fortier disponíveis para compras na WEB.

    Edmond Fortier morreu em Dakar em 24 de fevereiro 1928. Como dissemos, não foram encontrados os negativos de suas fotografias.

    NOTAS

    3 Ver DE MARTONNE, Commandant, “Notice sur le plan de Dakar et environs d’après photo-aérienne”, Bulletin du Comité d’Études Historiques et Scientifiques de l’Afrique Occidentale Française, 1923, n.1., pg. 9.